quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Vila Josephine


Li tanto do Vergílio Ferreira, da ficção à ensaística. Dei comigo a pensar que o conheço, ao seu pequeno mundo, a casa em Fontanelas, à tábua que colocava em cima dos joelhos para escrever, aos acessos de mau humor e à sua interminável Conta Corrente. Sobretudo na sua infância.
Hoje levaram-me, porém, de passeio ao desconhecido, à Vila Josephine, situada em Melo, concelho de Gouveia, lugar da sua origem.
Li as obras onde a referência à sua existência está presente e, afinal, não a reconheci. Imaginava-a pedregosa, sombria, nocturna. Hoje surgiu-me no esplendor do Sol, esfumava-se o dia.
Voltarei à Aparição assim como ao Para Sempre para me reencontrar com a sua realidade tangível. Hoje surgiu-me na reconstrução da poética.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Izas, rabizas...


Talvez seja esta a verdadeira vida, aquela em que a beleza surge, insólita, no pântano da sordidez, a magnificência sobre a generalizada insignificância, a bondade a romper no interstício de um mundo de ferocidade cruel. Feio, dolorosamente muito feio e, no entanto, real.
Peguei no livro porque não estava a entender-me com a sua escrita, porque me magoava as nódoas negras da sensibilidade, porque o Verão quando não atordoa, cegando até ao crime com a sua luminosidade estonteante, supõe, ido o suor, os insectos e a multidão, doçura para o corpo e o fresco de uma sesta depois de um sol ainda temperado pela névoa uma noite que se prolonga pela manhã. 
E, entretanto, negando-se-me a leitura pela incompreensão, o fantasma de que era um dos melhores trechos em língua castelhana e prodígio de um Prémio Nobel da Literatura perseguia-me pela culpa de não estar a ser capaz. de progredir pelas folhas do breve La Familia de Pascual Duarte.
E empapado na sua repugnância lodoso surgiu com outro livro o carinho e a ternura e sobretudo a sua profunda humanidade. Vida de rua, Izas, Rabizas y Colipoteras, aquela outra obra de Camilo José Cela, é uma oportunidade para a genialidade ter voz. 
Quase como num excerto de teatro grego em que a voz do narrador dá o trecho e o tom, também aqui vem ao proscénio o mundo das mulheres que alugam de si o necessário gerando a ilusão de que se dão todas a quem por vezes não ousa querer mais.
Estão todas, em friso e pelas esquinas, cada uma mais trágica e mais patética do que a anterior, arrumadas como se na taxonomia de um compêndio de botânica, espinhosas, carnívoras, de traiçoeira flor, ensarilhadas por um matagal doentio. 
Tudo no livro, desde o léxico ao lançamento da frase é a evidência do sublime em Arte. Dir-se-ia que o tema não, não fosse naquela funda valeta por onde jorra, inútil já, o farto despejo do sémen vital, estar, inutilizada a própria vida que não sucede. A alma aperta-se ao cheiro da retrete em que tudo se torna, já não grita de horror quando um feto despedaçado é encontrado por uns miúdos por entre o lixo. Ali, naquele caudal de amor venal, não há vida para gerar vida.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Uma capa em lata


Poucos conhecem o livro e do autor apenas o burlesco do escândalo. A capa é em folha de flandres, como os brinquedos em lata, de quando muito pouco entretinha muito.