domingo, 28 de fevereiro de 2010

Um poeta dinamarquês


Sim, têm tempo. Todo o tempo. É só questão de dormirem um pouco menos ou deixarem crescer as unhas dos pés. Amanhã podem ficar os sapatos por engraxar ou saltar-se aquele tempo que é o de coisa nenhuma. Vejam, ouçam, sintam. Agora mesmo. Um filme extraordinário, uma história pugente, contada por Liv Ullmann.

Là dove c'era l'erba ora c'e una città


Questa e' la storia
di uno di noi
anche lui nato per caso in via Gluck
in una casa fuori città
gente tranquilla che lavorava.
Là dove c'era l'erba ora c'e
una città
e quella casa in mezzo al verde ormai
dove sarà
questo ragazzo della via Gluck
si divertiva a giocare con me
ma un giorno disse: "vado in città"
e lo diceva mentre piangeva
io gli domando: "amico non sei contento?
vai finalmente a stare in città
là troverai le cose che non hai avuto qui.
Potrai lavarti in casa senza andar
giù nel cortile".
"Mio caro amico" disse "qui sono nato
e in questa strada ora lascio il mio cuore
ma come fai a non capire
che e' una fortuna per voi che restate
a piedi nudi a giocare nei prati
mentre là in centro io respiro il cemento
ma verrà un giorno che ritornerò
ancora qui
e sentirò l'amico treno che
fischia così.... ua ua".
passano gli anni ma otto son lunghi
però quel ragazzo ne ha fatta di strada
ma non si scorda la sua prima casa
ora coi soldi lui può comperarla
torna e non trova gli amici che aveva
solo case su case catrame e cemento
là dove c'era l'erba ora c'e
una città
e quella casa in mezzo al verde ormai
dove sarà
non so no so perché continuano
a costruire le case
e non lasciano l'erba, non lasciano l'erba
non lasciano l'erba
e non se andiamo avanti così
chissà come si farà
chissà chissà come si farà.

Adriano Celentano

Uma história de dor

Nem todos são escritos em papel. Esta manhã visitámos um, gravado escrito em metal, espraiado por linhas cobreadas, erguido ao céu.
Redigido a carvão, memória de sofrimento e de corpos esgotados, são capítulos de exploração, de revolta surda, vagonetas e pá, escória e escadas, livro de um passado industrial hoje museu. Um pouco adiante a cidade hoje diverte-se, nas docas. Sepulta-se ali um mundo que foi.
Ficou-me este rosto, um esgar de pulmões incendiados pelo calor, a caldeira incandescente a sua insaciável companhia, horas a fio alimentando-a, a fonte do seu pão. O fogueiro.
Nem todos os livros são escritos em papel. Pelas chaminés, anos a fio, foi-se em fumo uma história de dor.

sábado, 27 de fevereiro de 2010

Uma língua inútil

Já tinha falado dele. Voltei às suas páginas. Estive em Macau quando se lançou o bilinguismo como política oficial para que a língua portuguesa perdurasse na Administração chinesa, após 1999, língua oficial ao lado do chinês. Forçou-se a barra a preço de ouro. Na altura nem os polícias na rua compreendiam português. Nos táxis batiamos no ombro direito ou esquerdo do motorista sinalizando-lhe para onde virar, o destino escrito em papelinhos em caracteres que pareciam gaiolas de passarinhos mas eram hierogrifos.
Terra de maledicência mesquinha, um espírito irrequieto apodou de bifidismo essa tentativa de pôr toda a gente a falar duas tão distantes línguas. Dos portugueses só uns tantos poucos se deram ao esforço. Enfim havia os intérpretes.
Sentia então por ouvir dizer o esforço que para aquelas crianças chinesas significava aprenderem o cantonês local, o mandarim oficial, o utilitário inglês e o impingido português.
Natividade Ribeiro ensinou em Macau durante vinte anos. Escreveu um livro frágil de sensibilidade, um livro que se esfarela entre os dedos, porcelana literária. A sua personagem, Ana Costa, sofre em Macau o amor de ali viver, «num lugar onde as pessoas viviam num mundo de paralelas infinitas», ensinando português a alunos para quem isso era «uma língua inútil para as suas vidas».
Uma edição de Livros do Oriente, dirigida por Beltrão Coelho. Magnífico.

Raivoso de incerteza

Veio do neo-realismo e por isso tem lugar cativo no Museu do Neo-Realismo em Vila Franca de Xira mas, atenção, apenas em relação às suas primeiras obras. Com o romance Mudança mudou de rumo. Nessa altura, como conta no seu Diário Íntimo, estava em luta intestina com a personagem que nesta terra teve como nome Sartre e por isso num certo dia de Agosto, em Melo, sua terra natal, escreveu, furibundo: «Amigo Sartre mete uma enxada nas unhas aos teus pederastas, aos teus vadios de café, põe-me essa Ivitch a lavar roupa, a roçar o soalho da casa, dá-lhes a todos para roerem, um corno de realidade. E conta-me depois». É Vergílio Ferreira, claro. Irado de dúvida, raivoso de incerteza.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Irremediavelmente

Surgem como cogumelos em dias de chuva, como flores ao raiar do sol. E depois vão-se, porque o contrato com os distribuidores é assim e porque abrem vaga para novos corpos nos escaparates, como nos cemitérios as vagas sucessivas de cadáveres, a sucederem-se, exceptuados os dos jazigos, que na Literatura se chama «os clássicos».
São os livros que já não se encontram porque foram devolvidos e são guilhotinados depois de uns anos sem esperança de venda. Livros que alguma biblioteca particular retenha, ou salvos do esquecimento pelo depósito legal que lhes dá coval garantido na Biblioteca Nacional e outras tantas que são armazéns em nome da Lei.
Livros como o Largo da Memória de Homero Serpa. Onde encontrei esta noite esta linha sublinhada a propósito dos pretendentes da Susana e do sentimento que isso provocava em Domingos, «deixando-o escorregar pelo clivo da ingenuidade até se estatelar no irremediável».

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Uma língua de rosas

Haverá uma gramática da fome e da opulência, uma morfologia da necessidade e do arroto? Haverá uma pobreza vocabular que mostra o mendigo por pão verbal, raivoso ante a ostensividade glutona do delambido em doçarias de conjugação?
Haverá, em suma, prontuários como palmatórias para os incorrígíveis da improvisão, formas únicas compendiais que só com mnemómicas se interiorizam, lêem e vêem com dois ee, como dois olhos, peru sem acento no ú?
Haverá forma de consensualizar a forma de virgular, um tratado de paz quanto ao ponto final sem ser parágrafo?
Haverá uma luta surda, forjada com bombas de gralhas e petardos de erros contra os pretéritos mais que perfeitos, um atentado revolucionário contra a voz passiva?
Talvez não haja, como não há beleza máxima que não seja assimétrica, amor fantástico que não seja um só.
Nisso da língua, a regra é não haver.
«Se leu o Apocalipse sabe que até Deus vomita os mornos». Escreveu-o Miguel Torga, escrevendo à podoa, com ela talhando rosinhas miúdas de uma língua eriçada de espinhos.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

Mundo intransitivo

Lembrei-me dela porque mão amiga me fez chegar este link sobre um portal da língua portuguesa, agora que com o chamado Acordo Ortográfico começo a ter fundadas dúvidas sobre o que seja a língua portuguesa. Ensinava a língua de Portugal a meninos de Macau. Tentava entender-se com o que seriam erros europeísticamente falando. Às tantas já nem sabia se seria capaz de falar a sua língua.
Escreveu um livro de pequenas histórias. Numa delas a professora recebe uma redacção que dizia achinesadamente «amanhã vou passear, vou brincar, vou jogar, vou comprar». Assim mesmo com o verbo comprar conjugado intransitivamente, para além de qualquer ditame da gramática.
Está certo. Nós quando vamos às compras compramos ou não compramos, o ir às compras é por vezes a oportunidade, comprar um pretexto. Eles quando vão comprar é mesmo para comprar, tal como quando se joga joga-se, quando se brinca brinca-se.
A minha Pátria é, de facto, a Língua Portuguesa, mesmo na longínqua China que nos redescobre.
Chama-se Natividade Ribeiro, o livro tem por título Nada, nada professora.

A sombra

«Um romance é como um biombo, a gente despe-se por detrás». A frase foi escrita pelo Vergílio Ferreira. Escrevi isto depois de emendar, pois ia a escrever «a frase pertence ao Vergílio Ferreira». É assim, ficamos com a ideia de que uma vez lançada uma frase ela fica a pertencer a quem a delineou, como uma sombra que lhe seguisse o vulto.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Belle du Jour


Em Belle du Jour todos os homens são nojentos, todas as mulheres putas. Passados estes anos o filme surge inevitavelmente datado. Une femme de societé que se prostitui sem razão, uma frígida que a violência erotiza, um marido cuja complacência faz de amor e no final ressuscita parece que oniricamente. Ah! E o aflorar de um beijo entre ela e a «patronne». Freud e Sade em versão bistrot.
O cinema francês torna-se irritante quando é petulante. Nele, por vezes, as pretensões intelectuais são uma forma de ser afectada e maneirista, tal como a sua fonética feita de ditongos labiais. É preciso pachorra. Houve um tempo em que o ridículo tinha iluminação feérica, como a Place Pigalle.

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

A Revolta das Palavras

 
Um país governado por um homem de quem se pode dizer que é um mentiroso é um país ignominioso, tanto por ser dirigido pelo que mente, como por aqueles que o deixam continuar a mentir. Ressuscitei o blog A Revolta das Palavras. Não era possível continuar calado.

O herói absurdo


Uma coisa boa é não saberem em que dias e a que horas escrevemos, para não devassarem as nossas horas de sono, os tempos de trabalho, os instantes de coisa nenhuma.
Uma coisa excelente é não ter obrigação de escrever nem dever de ler, estar-se livre da sujeição de se escrever sobre o que se leu.
Aconteceu assim aqui, uns dias sem justificação para não ter escrito. Se fossem férias seriam umas magníficas férias, se fosse uma gripe uma gripe e peras [pergunto-me porque se diz qualquer coisa «e peras»], se não fosse nada era coisíssima nenhuma.
O resultado está à vista. Os que não são leitores assíduos nem dão conta, os outros voltarão quando puderem.
Finalmente uma coisa extraordinária é não ligar ao sitemeter, não ser importante quanto leitores há.
Quando se está uns tempos inactivo o número de visitas desce. Haverá de subir. É e lei do eterno retorno, o fundamento da tragédia de Sísifo, o último herói absurdo.
É preciso imainar Sísifo feliz!

domingo, 14 de fevereiro de 2010

O silêncio

Médica, irmã creio de Maria Gabriela, Maria Isabel LLansol Barata escreveu Vida em Letra Grande. Foi editado em 1995 pela própria.
Não são grandes sentimentos pela sua extensão declamativa, grandes sim pela sua discreta interiorização. A vida não é feita só de proclamações sentimentais.
Li-o esta manhã, recolhido, o dia gélido. É um livro meigo, diário de momentos ternos, de uma mãe internada num lar, doentes que se apegam ao seu médico, o apartamento no Monte Estoril cada vez mais vazio, «a companhia, por motivos város, até estranhos à vontade, a tornar-se menos disponíveis», uma anónima Paula que, entre riscos e palavrões, escreveu no pára-vento da paragem do autocarro «Falar é fácil, difícil é compreender o silêncio». Foi no dia 2 de Fevereiro de 1989.

Poeticamente exausto, verticalmente só

Tive-o, perdi-o, ficou numa qualquer casa, daquelas em que coabitamos e por vezes só não ficamos nós quando cessa a coabitação. Rasgou-me o peito lê-lo então porque morreu aos vinte e três anos numa guerra que eu não quereria fazer, porque tudo nele prenunciava esse saber dorido de que a vida o iria matar. Esta noite encontrei a frase e soube que há um filme que eu perdi como se perdeu o livro e não fosse este milagre se perderia a lembrança:

«...poeticamente exausto, verticalmente só... lembro memória dum qualquer verão em nenhuma parte. Percorro o suor dos mortos. Acabo em cada boca que começa. E como os mortos suaram antes da guitarra de barro! Kid, companheiro antiquíssimo: pergunto: o desespero já foi jovem? Quem doará seu rosto ao trigo da aurora? Quem, quando a areia crescer nos olhos, resolverá a rosa marítima? ESCREVE! Nada sei da mulher que possuiste em casa da Lena. Sei somente das jovens que a cidade digeriu... Sei todas as cidades do nocturno mapa do esquecimento...


P.S.: Sou aspirante. Não me chames alferes. Sim, não me promovas»


ao Francisco

Agosto de 1963

Mafra

Farewell



Era em vinil, com uma capa em tons de camurça. Ouvi-o vezes tantas que quase sabia de cor cada um das notas de todos os temas. Tudo isso desapareceu. Pouquíssimos se lembram. Encontrei-o aqui. São os Fairport Convention. A voz é a de Sandy Denny. Eu já tive vinte anos. Foi em 1969.

Farewell, farewell to you who would hear
You lonely travellers all
The cold north winds will blow again
The winding road does call.

And will you never return to see
Your bruised and beaten sons
O I would,I would if welcome I were
For they loathe me every one.

And will you never cut the cloth
Or drink the light to be
And can you never swear a year
To anyone but we.

No I will never cut the cloth
Or drink the light to be
But I'll swear a year to one who lies
Asleep alongside of me.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

O Império Contra-Ataca



Tinha-me esquecido do sobretudo. Estavam quarenta graus abaixo de zero. A URRS já não era. Na Lubyanka já tinham apeado o Derzhinsky, da Cheka, a antecessora do KGB. A Casa Branca russa ainda não tinha sido bombardeada. Só mais tarde fui ver o Ermitage a casa do Gorki que estava fechada. Com Lénine a questão fora o Estado e a Revolução, agora era só o Estado, em degradação. Há sempre um tempo para cada lugar. Atenção por isso, que há surpresas para um leitor: há uma Moscow no Idaho, USA. O Império contra-ataca.

Terra: por mais distante o errante navegante



Foi há tantas anos, em Itália, não sei onde na Itália creio que numa das ilhas que são Itália. Foi num hotel. Havia um grupo musical que animava os hóspedes. Um grupo de italianos. Souberam, não sei como, que eu era português. Pediram-me então: que eu tentasse com base no que eles cantavam de ouvido, que lhes escrevesse a letra desta canção e lha traduzisse, para que entendessem enfim a beleza do que cantavam, extasiados, sem entenderem uma só palavra. Escrevi, lado a lado com eles, eles soletrando musicalmente eu esgravatando, prosaico. Não mais me esqueci dessa noite. Quando subiram ao palco um sopro de alma elevou-lhes a voz. Vogando no planeta Terra, anichados em torno de um sentimento, vogámos no espaço sideral, irmãos.


Quando eu me encontrava preso na cela de uma cadeia
Foi que vi pela primeira vez as tais fotografias
Em que apareces inteira, porém lá não estava nua
E sim coberta de nuvens

Terra, Terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Ninguém supõe a morena dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema mando um abraço pra ti
Pequenina como se eu fosse o saudoso poeta
E fosses a Paraíba

Terra, Terra,

Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu estou apaixonado por uma menina terra
Signo de elemneto terra do mar se diz terra à vista
Terra para o pé firmeza terra para a mão carícia
Outros astros lhe são guia

Terra, Terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Eu sou um leão de fogo, sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente, e de nada valeria
Acontecer de eu ser gente, e gente é outra alegria
Diferente das estrelas

Terra, terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

De onde nem tempo e nem espaço, que a força mãe dê coragem
Pra gente te dar carinho, durante toda a viagem
Que realizas do nada, através do qual carregas
O nome da tua carne

Terra, terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

Na sacadas dos sobrados, das cenas do salvador
Há lembranças de donzelas do tempo do Imperador
Tudo, tudo na Bahia faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito

Terra, terra,
Por mais distante o errante navegante
Quem jamais te esqueceria?

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Rebel, Rebel


Esta noite ensinaram-me a meter youtubes aqui. E eu, que julgava saber tanto, não sabia isso. Aproveito para deixar por aqui artes e letras, humanidades e até alarvidades, numa explosão panteísta de alegria, entusiasmo e força de viver. É o país das maravilhas...

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Em forma de assim...

Quem é que se lembra disto? Quem se recorda do efeito de relevo que impressionava a vista? Quem rememora o passa-passa, imagem a imagem? Quem diz como se chamava? Quem ainda tem disto num qualquer sótão, num canto do guarda-fatos? Quem sabe que a maquineta por cujos dois óculos se espreitava era em baquelite? Quem sabe o que é baquelite, aquela resina química resistente ao calor?
Quem me ajuda porque há um mundo ido de singelezas ópticas que nos davam a ilusão de termos sido felizes vendo paisagens em forma de assim?

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

O tempo das cerejas

É uma obra de militância, não só política sendo o autor quem é, mas sobretudo cultural. Em cada esquina um amigo, em cada recanto uma surpresa. O blog chama-se O Tempo das Cerejas. O seu autor Vítor Dias. Está aqui. Fomos contemporâneos na Faculdade. A vida separou-nos. Encontrei-o este começo de manhã, lendo-o.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Gymnopédie

Foi este domingo no hall junto à Biblioteca do Museu da Fundação Calouste Gulbenkian, que nem todos conhecem nem sabem que tem o espólio de Alfredo Pimenta. Joana Gama tocou Eric Satie. Um maravilhoso silêncio inundou o espaço, contraiu as almas. Sincopada, minimal, magnífica, a música encheu os corações. A Gymnopédie, n.º 1. Eric Satie nasceu em 1866. Ouvindo a sua obra parece que a eternidade foi hoje.

O autor e a sua cria

É seguramente um labirinto de sentimentos e de vivências; é essa complexidade que talvez permita chamar-lhe um romance. Mereceu ontem uma menção crítica no jornal Expresso. Citei-a, aqui. A autora da recensão é a Professora Helena Barbas. No mesmo dia o poeta Nuno Júdice apresentou-o livro em Faro.
Mentia se não dissesse que isso traz alegria. Um autor gosta da sua obra e por isso consente na sua edição.
Eu sei que no mundo dos escritores ninguém pensa assim. Deveria fazer de conta que não li a crítica e que não fiquei feliz por ser muito amável, para poder fingir ignorar quando vier bordoada de meia-noite ou aqueles silêncios que desanimam. Mas sou este e não aquilo.
Ontem descobri-lhe uma gralha, ao livro tantas vezes revisto: um «fui» em vez de foi. Um pequeno sinal de imperfeição mostra a fragilidade no escrito. Oxalá ninguém dê conta.

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

No tempo da outra Senhora...

Só não tem o Anuário da RTP de 1964 quem não quer. Por seis euros trouxe eu um para casa, sacado de uma livralhada de adelo. O curioso foi lê-lo num bocado de noite e verificar que no tempo do outro senhor a RTP emitia em média 6 horas e meia por dia, fechava à meia-noite e que, no cômputo geral desse tempo foram 73 horas de teatro, 119 horas de filmes de grande metragem, 38 horas de programas musicais eruditos e 212 horas de programas culturais. As receitas da casa eram 86 380 contos, a despesa 78 129. A televisão do Estado dava lucro. O número de empregados, 794. O Presidente do Conselho de Administração era o Dr. Luiz de Athayde de Almeida Vasconcelos Pinto de Mascarenhas. Quem se lembra hoje dele e daqueles números? Só mesmo quem arriscar seis euros num alfarrabista!

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Alma ressuscitada

Um pouco mais contido na adjectivação, é o mesmo Luiz Pacheco, o de sempre, a lembrar-nos os seus Textos de Guerrilha, editados em 1979, livro onde conta a lista dos ilustres artistas convidados pelo então Presidente da República para um jantar no Palácio de Belém. Só que com um pormenor provocatório: o Venerando anfitrião era o almirante Américo Tomás, que o 25 de Abril apeou de Presidente; o convidado o cineasta Manuel de Oliveira [mais tarde crismado como Manoel de Oliveira] o mesmo que, provocatoriamente também, em Non ou a vã glória de mandar, ligaria o 25 de Abril a Alcácer Quibir. Aparte fantástico: no filme Conversa Acabada o realizador João Botelho mascara o Pacheco como Fernando Pessoa «moribundo e logo esticado, com o Manoel de Oliveira, padreca, a rezar-me o responso, num latim esgosmado». É caso para dizer, «alma encomendada, alma ressuscitada».

O Piruteante Anefim

Durante uns meses mantive no Jornal de Negócios uma crónica. Atenção: o Luiz Pacheco também! Esta noite encontrei uma delas em que «ainda a propósito de Afonso Lopes Vieira escrevi: «lembro-me de um episódio contado por João Gaspar Simões no seu livro “Retratos de poetas que conheci”, saído com dedicatória a Manuel Poppe, em 1974. O monárquico Paiva Couceiro havia sido preso pelo regime político que o autor de “Onde a terra se acaba e o mar começa” mais desprezava. Surpreendendo apenas quem o não conhecia, aquele cuja aparência de “piruteante anefim” – as palavras são de Gaspar Simões – iludia quanto à sua viril coragem cívica, não hesitou. Afonso Lopes Vieira “de malinha aviada se apresentava na esquadra de polícia onde Couceiro fora arrecadado, e atrevido perguntava à sentinela: - É aqui que se prendem pessoas de bem?”.  Por um triz tornaria dessa feita verdadeiro um verso seu cáustico e premonitório e de que fez orgulhosa bandeira: “o poeta português que não passar ao menos uma vez pelas prisões, não será digno aluno de Camões”». Foi em Setembro de 2003 aquele meu escrito. Como o tempo voa!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A excepção e a regra

Hesito sempre em usar os meus espaços para falar das minhas coisas. E haja quem explique este atavismo. Talvez não pareça que isso é assim, porque escrevi um romance e dei aqui notícia dele; apresentei-o ao público e ficou aqui notícia do facto. Além disso na lateral deste blog está menção aos livros que escrevi e a uma editora que decidi criar.
Há, porém, algo que estas referências omitem: a dúvida com que tudo isso acontece, talvez um pouco menos do que um sentimento de pudor.
Desta vez a mesma sensação ao anunciar que vou a Faro porque o Nuno Júdice apresenta aquele romance que é a minha estreia no género.
Haveria razão para que eu não o dissesse? Talvez não haja. Tenho vergonha? Não, tenho orgulho. Devo alguma coisa a alguém? Só aos meus credores. Porque vim aqui escrever isto? Porque cada vez que falo de mim penso sempre que há o risco de quem lê pensar em outra coisa.
Blog de leitores, este, acho, enfim, que ele pode ser também das coisas que leio por tê-las escrito. Não como excepção, mas por haver uma regra geral.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

A transmutação

As palavras rituais do catecismo alquímico de Paracelso são semelhantes às da sessão de abertura em loja maçónica, pelo menos no Rito Escocês Antigo e Aceito. Com uma diferença notável. À perguntal «que idade tendes irmão primeiro vigilante?», feita pelo Venerável Mestre, que como resposta obtém «três anos, Venerável Mestre», sucede aqui, no fecho da obra, o diálogo: «qual é a idade do Filósofo?», «desde o momento das suas investigações à das suas descobertas, o Filósofo não tem idade».
Phillipus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, conhecido como Paracelso, nasceu em 1493 na Suiça. Médico, químico, sábio, morreu aos 47 anos julgando ter encontrado o exilir da vida, meio para a eternidade.
O método é a procura da purificação interior através da busca da virtude intrínseca, segundo a condição natural de cada um. Eis a trasmutação filosófica. Sê a Natureza.