sábado, 13 de dezembro de 2008

Um livro sublinhado

Acabei, enfim, de ler a Manhã Submersa do Vergílio Ferreira. Rara é a folha onde não deixei uma marca, um sublinhado, o traço da importância do que ali se conta, de quanto me vincou o modo como se conta.
Ficam-me os livros sublinhados como história da vida, memória a lápis, à margem, em rodapé ao escrito. Biblioteca de desencantos, de esperanças, de similitude.
Livro biográfico, da sua passagem infrutífera pelo seminário da Guarda, a Manhã Submersa conta a ruptura de vocação, a crise de fé do jovem seminarista António Lopes, miúdo de catorze anos, cuja orfandade e pobreza o haviam tornado candidato ao sacerdócio.
Nas páginas finais, confrontada com o irremediável de um filho que negava o conforto da vida eclesiástica, sustento e amparo de todos e orgulho dos seus, a mãe, moída de o ver triste, perde-se a dizer «e então eu digo se não era melhor que tivesses morrido em pequeno». Logo arrependida, a tentar justificar-se, «dorida de necessidade», a tratá-lo com «um carinho medroso», corrige: «eu não devia dizer isto, Deus me perdoe. Mas sinto cá dentro que é como se não fosse mal dizê-lo».