quarta-feira, 28 de outubro de 2009

O Príncipe com Orelhas de Burro, de José Régio


Eu acho que voltamos sempre aos mesmos livros e mesmo quando lemos o que julgamos serem outros livros eles são a continuação de um qualquer livro que ficou eternamente por ler num momento passado da nossa vida, um arquétipo de flagrante que queremos eternizar, ou uma ânsia irrealizada que queremos prosseguir, agora através da Literatura.
Sucedeu-me uma dessas variantes esta noite, ao ir à estante procurar as Páginas do Diário Íntimo do «José Régio», para me lembrar o que nele me impressionou, a confissão dolorosa das suas pulsões intestinas, que tinha por sórdidas e como tal escondia dos seus próprios olhos e o apelo da castidade como reduto final da pureza de alma que, afinal, nunca foi capaz de encontrar. E tudo isso com Cristos antiquíssimos e uma vida de antiquário, e A Velha Casa, mesquinhamente selada, num mundo de velharias, roufenho de silêncios e envelhecimento, povoado de rancores irresolutos e de amigos particulares a rabujar com os seus livros. Neurasténico, «vivo demais fora de mim», dizia e sabia em Coimbra, em 1923 - caramba e eram os loucos anos vinte para tantos outros! - que «querer ser feliz é ajuntar probabilidades de desgraça», e queria, muito depois, «desprezar, e até combater, todas as formas do mundanismo literatizante que me persegue», mas a entregar-se, sempre, «plenamente ao vício» apesar de a doença lhe ter atenuado as obsessões do sexo e do prazer.
E provocador, porque foi sempre, apesar de frágil figura e timorata aparência, pois «antes de tudo, ainda considero mais perigosos para a cultura o comunismo e o cabotinismo do que a tirania salazarista - por sua própria natureza efémera». Isto dizia o cidadão José Maria dos Reis Pereira, enquanto escritor José Régio, atrevido. «Participou activamente na vida pública, fazendo parte da comissão concelhia de Vila do Conde do Movimento de Unidade Democrática (MUD), apoiando o general Nórton de Matos na sua candidatura à Presidência da República e, mais tarde, a candidatura do general Humberto Delgado. Integrou ainda a Comissão Eleitoral de Unidade Democrática (CEUD), nas eleições de 1969», reza uma sua biografia. Consequentemente. «Era uma vez um casal no reino da Traslândia (...)». Eis «algumas circunstâncias que precederam o nascimento do Príncipe Leonel, presumível herói desta verídica história».