domingo, 25 de outubro de 2009

Que Cavalos São Aqueles..., de António Lobo Antunes


Violento-me para ser justo, porque o acho detestável de tão vaidoso, voyeur do seu próprio exibicionismo, a tentar seduzir pela decadência e a consegui-lo, mas, admito, a sua escrita é admirável, mesmo quando é o leitor a construir, lendo, o que ele não escreveu mas sabe-o e intromete-se na própria escrita para confessá-lo e nisso é sério porque não tem ilusões quanto ao que anda a fazer da nossa paciência e diz «eis o António Lobo Antunes a saltar frases não logrando acompanhar-me».
Comecei esta manhã a ler Que Cavalos São Aqueles Que Fazem Sombra No Mar?e julgava que era o último livro dele até me assustar ao ver que tinha menção a que era a 4ª edição, mas depois compreendi que ele edita muito ou a editora chama nova edição ao que é uma reimpressão e manda reimprimir muitas vezes para parecerem mais as edições e já estou a dizer mal por não gostar dele, «a detestá-lo por me desarrumar o passado» mas tenho de ser justo mesmo que me violente.
E é, dizia, uma escrita admirável, em que o edifício das palavras e das frases e dos períodos e dos parágrafos implodiu e o leitor caminha, semi-cego pela poeira «poeira que demorava a cair ocultando-nos de nós mesmos e ao ocultar-nos de nós mesmos não éramos», em que entre os escombros verbais e o desabar gramatical surgem, densos e a escorrer, os sentimentos e as recordações a ensarilharem-se na leitura e um mundo que já foi de «escadas dos cartórios quase tão gastas como a minha mãe», e há uma mãe que morre e um notário para os ossos da família roídos e nele «uma empregada de aliança, mas viúva no coração».
A frase «cavalos fazendo sombra no mar» vem na página 19 e daí o título do livro e eu vou na página 46, parei agora para tomar fôlego, entre toiros «farejando a própria urina e as próprias fezes não as reconhecendo, farejando o próprio cheiro e investindo contra si mesmo porque o cheiro mudara» e vim aqui escrever o que estou a sentir.
Deus te perdoe a arrogância, mesmo que sejas neste livro o Francisco, irmão da Beatriz, António Lobo Antunes que eu lerei tudo quanto escreveste, e escreveste já muito, lerei juro se tiver tempo mas falta-me tempo ante tanta escrita - e ainda há os outros, que também há outros escritores - e «tanta angústia nos relógios, tanta vontade de alcançar o tempo», mas angustiado embora, lerei.