segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Uma língua de rosas

Haverá uma gramática da fome e da opulência, uma morfologia da necessidade e do arroto? Haverá uma pobreza vocabular que mostra o mendigo por pão verbal, raivoso ante a ostensividade glutona do delambido em doçarias de conjugação?
Haverá, em suma, prontuários como palmatórias para os incorrígíveis da improvisão, formas únicas compendiais que só com mnemómicas se interiorizam, lêem e vêem com dois ee, como dois olhos, peru sem acento no ú?
Haverá forma de consensualizar a forma de virgular, um tratado de paz quanto ao ponto final sem ser parágrafo?
Haverá uma luta surda, forjada com bombas de gralhas e petardos de erros contra os pretéritos mais que perfeitos, um atentado revolucionário contra a voz passiva?
Talvez não haja, como não há beleza máxima que não seja assimétrica, amor fantástico que não seja um só.
Nisso da língua, a regra é não haver.
«Se leu o Apocalipse sabe que até Deus vomita os mornos». Escreveu-o Miguel Torga, escrevendo à podoa, com ela talhando rosinhas miúdas de uma língua eriçada de espinhos.