domingo, 18 de junho de 2023

Robert Walser: a grandeza da insignificância

 


Reencontro Robert Walser, em tradução de Ricardo Gil Soeiro, que seleccionou alguns dos seus textos e os traduziu a partir das Sämliche Werke in Einzenausgaben [Todas as Obras em Edições Únicas].

Lei-o sempre sob o efeito da imagem da pungente imagem das pegadas da neve, a sua última caminhada até ao destino final, os seus retratos sempre em pose formal, cuidadosamente vestido ainda que com roupa já sovada pelo tempo, o guarda chuva escrupulosamente enrolado.

Walser, «escritor suíço de expressão alemã» viveu para a escrita, uma escrita peculiar, não de grandiloquências mas de insignificâncias, feita sobre a minúcia do quotidiano, sobre a «celebração do irrisório», como se diz no prefácio ao pequeno livro que a Assírio & Alvim editou. 

São pequeníssimos textos sobre diminutas circunstâncias, rematados sobre três apontamentos sobre o próprio autor. Em um deles, denominado Candidatura de Emprego, retrata-se em duas frases: «[...] sou um chinês, isto é, uma pessoa para quem tudo aquilo que é pequeno e modesto se afigura belo e adorável e terrível e medonho tudo aquilo que é grande e amplamente desafiador», «tenho uma mente lúcida, embora ela se recuse a aprender coisas em demasia, algo a que ela tem aversão».

Observações atentas à minudência da vida, é uma escrita também de surpreendentes qualificativos como quando escreve: «Durante uma chuva respeitável tudo fica molhado, exceptuando a água, com os rios que já não podem ficar molhados, pois já o estão», ou «o vento sopra e no vento esvoaçam todas as minhas preocupações, como pássaros tímidos».

Escrita mansa, por outro lado, sem tragédia, feita de inocência, mesmo quando vagamente triste, é um afago à sensibilidade àquelas que se defendem de não terem embrutecido.

Ao notar que «A cinza é a humildade, a insignificância e a própria inutilidade e, muito em especial, ela própria está impregnada da crença de que não serve para nada [...]. A cinza não tem carácter e está tão afastada da madeira como o desânimo do triunfo», Walser dá vida ao que parecia nada, assim como, ao coser um botão, nota, referindo-se-lhe, que «é apenas - ou pelo menos assim o aparentas - o propósito da tua própria vida, consagrando-te inteiramente ao silencioso cumprimento do dever», ou ainda, ao ver um velho prego enferrujado, de onde se pendurava um guarda-chuva igualmente velho e desgastado: «Ver como algo velho e amargurado se agarrava a outra coisa igualmente velha e amargurada, ver e observar como algo caduco pendia de outra coisa igualmente decrépita era como ver dois mendigos abraçando-se num deserto frio e desesperado, prontos para morrer a qualquer instante nos braços apertados um do outro».

São estes, os pequenos livros, que se tornam grandes obras.

Robert Walser nasceu em 1878 e morreu em 1956. Terminaria a vida num hospital psiquiátrico. Os 562 microgramas que escreveu, manuscritos microscópicos, são a imagem viva do infinitamente pequeno, o microcosmos em que se encerrou.