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sábado, 15 de agosto de 2009
Eu e Elas, de Maria Archer
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Se é assim, este que leio tem uma tal leveza na ironia e subtileza na crítica que a autora parece insinuante parte da paisagem que descreve. São pequenas notas de observação social, em que abundam meninas casadoiras e viúvas passíveis de casamento, o mundo do «marido vantajoso», da «rapariga de boas famílias», o pano de cena das heranças e dos dotes e onde contracena o ser-se bonito, «bem» e o ter fortuna, para surpresa a inútil inteligência, tudo apoiado em criadas de servir e vivido por pessoas que se servem.
Na prosa de abertura duas senhoras de idade indefinida organizam-se para uma saída em diversão, buscando respeitável homem que atrelem. A alternativa, cruel porque dentro do possível, é que seja «o mais decorativo que se pode imaginar» ou «que nos pague os capilés». Encontrado cavalheiro, acaba por se imiscuir na cena «o Caril», coitado, indiano e milionário, que a juntar-se à mesa, envergonharia o possível aparelhado que encontraram, que na hora da conta, ó cruel vida, não teria correspondência em numerário à vista que fazia. Ódio a um mundo remediado!
Enfim, vinagre e veneno e calda açúcar. Num décor de serão, em que «aquelas senhora criava bobos com palavras e fazia das suas indefesas amigas os seus bobos de salão», alguém se sai com «um homem pode pensar o que quiser, conquanto que não o diga, e uma mulher pode dizer o que quiser, conquanto que não o pense».
O título de uma das crónicas «silogismo da crueldade feminina» talvez merecesse ter sido o nome do livro. Dentro de uma meia-hora acabo-o, ou ele comigo: «porque será que os portugueses me parecem mortos...mortos amáveis?», pergunta uma das personagens. Pois não sei. Talvez nas folhas que faltam venha a solução ou o enigma. Na página 104 estava uma pista: «os meus amigos já parecem gente pobre, de tal forma se civilizaram, se educaram, se apagaram no bom gosto e nas boas maneiras». Riam-se! Foi escrito em 5 de Março de 1943, chama-se Cocktail em Casa de Volframistas.