sábado, 15 de agosto de 2009

Eu e Elas, de Maria Archer

Quando em 1945 publicou o livro que hoje encontrei, Eu e Elas, apontamentos de romancista, Maria (Eyrolles Baltazar Moreira) Archer já tinha escrito catorze livros, mas confessava que ainda se via «embaraçada para escrever um romance». Uma enciclopédia literária, chamada não se percebe porquê, Literatura Portuguesa do Mundo, diz que os seus livros «abordaram com ousadia, na sociedade dos anos 30 e 40, o tema da dependência civil, económica e social da mulher (...)»; e que «devido a esta preocupação feminista e de crítica social foi forçada ao exílio no Brasil, em 1954». Confirma-se aqui.
Se é assim, este que leio tem uma tal leveza na ironia e subtileza na crítica que a autora parece insinuante parte da paisagem que descreve. São pequenas notas de observação social, em que abundam meninas casadoiras e viúvas passíveis de casamento, o mundo do «marido vantajoso», da «rapariga de boas famílias», o pano de cena das heranças e dos dotes e onde contracena o ser-se bonito, «bem» e o ter fortuna, para surpresa a inútil inteligência, tudo apoiado em criadas de servir e vivido por pessoas que se servem.
Na prosa de abertura duas senhoras de idade indefinida organizam-se para uma saída em diversão, buscando respeitável homem que atrelem. A alternativa, cruel porque dentro do possível, é que seja «o mais decorativo que se pode imaginar» ou «que nos pague os capilés». Encontrado cavalheiro, acaba por se imiscuir na cena «o Caril», coitado, indiano e milionário, que a juntar-se à mesa, envergonharia o possível aparelhado que encontraram, que na hora da conta, ó cruel vida, não teria correspondência em numerário à vista que fazia. Ódio a um mundo remediado!
Enfim, vinagre e veneno e calda açúcar. Num décor de serão, em que «aquelas senhora criava bobos com palavras e fazia das suas indefesas amigas os seus bobos de salão», alguém se sai com «um homem pode pensar o que quiser, conquanto que não o diga, e uma mulher pode dizer o que quiser, conquanto que não o pense».
O título de uma das crónicas «silogismo da crueldade feminina» talvez merecesse ter sido o nome do livro. Dentro de uma meia-hora acabo-o, ou ele comigo: «porque será que os portugueses me parecem mortos...mortos amáveis?», pergunta uma das personagens. Pois não sei. Talvez nas folhas que faltam venha a solução ou o enigma. Na página 104 estava uma pista: «os meus amigos já parecem gente pobre, de tal forma se civilizaram, se educaram, se apagaram no bom gosto e nas boas maneiras». Riam-se! Foi escrito em 5 de Março de 1943, chama-se Cocktail em Casa de Volframistas.