quinta-feira, 28 de julho de 2005
O meu cantar...
Tinha que suceder! E foi ontem. Lendo o que ficou para trás, posso dizer que quase se adivinhava o que acabou por acontecer: passou um dia e eu não escrevi. E agora, ei-lo, imenso, visível, frontal o buraco horrendo, a evidenciar o vazio e a falha. É o maior dos pesadelos, o de um dia acordar-se e faltar-nos um dente frontal; imaginarmos que ao abrir a boca todos à nossa volta notarão esse momento de degradação, evidência vergonhosa da velhice; sorrirmos com um esgar, evitarmos falar, sentirmo-nos enfim menos do que ontem. Animal carnívoro, não há nada que mais marque no humano a penúria e a precariedade do que a desdentação. Lembro-me da «Cena do Ódio» do Almada Negreiros e uma saudade imensa dessa noite: «o castigo das serpentes é-me riso nos dentes, Inferno a arder o Meu cantar!