domingo, 23 de maio de 2010

A Curva de uma Vida

Os fins melo-dramáticos estragam as narrativas romanescas. Talvez A Curva de uma Vida mercesse ter outro fecho, mas o autor era jovem e nunca reviu a obra para publicação em vida.
O original faz parte do espólio que a viúva de Vergílio Ferreira entregou na Biblioteca Nacional. A Quetzal editou-o, numa edição que contém um aturado estudo filológico de comparação do primtivo texto com as suas revisitações. Vim a lê-lo extasiado. Pressente-se ali uma poderosa capacidade de escrever. O criado João «tinha sorrisos largos mas o coração era manso como o dum boi» e «corava quando me presenteava com bons pêssegos moles e sumarentos, que ele tratava com um amor silvestre. Tudo nele era inculto: as unhas, o cabelo e a bondade».
Veja-se a força arrebatadora e expressiva das frases «amor silvestre», «coração manso como o dum boi». Mas note-se o contraponto entre conceitos oriundos de conjuntos tão diversos como «sorrisos largos» e «coração manso». E sobretudo atente-se num instante de suspensão da leitura em favor do pensamento para mastigar e saborear a ideia tão rica de ressonâncias significativas como a incultura das unhas, a do cabelo e a da bondade...
O que há no livro e não mais deixaria de haver em toda a obra do autor da tão banalizada Aparição é aquela irrupção ventral e jorrante da vida e do homem, as necessidades e contigências insensíveis daquela os desejos e medos sensíveis deste.
Surpreendendo a mãe na cama com o seu próprio cunhado, Amadeu, «o olho furioso, na ânsia de se fartar de verdade» conta: «não via minha mãe, via uma mulher e admirei-lhe os contornos mal cobertos. Pelos meus nervos andaram gozo infernais». O leitor arrepia-se incestuosamente ali, impúdico e inconveniente.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

O actor, de Gastão Cruz



Esplendor e resplendor Aureolado
pelo silêncio ideal o actor o rosto lança
na direcção do escuro
flanqueado
pelas sombras da balança

A solidão refaz de cada lado
o enigma do corpo
que balança
sobre o fundo parado do quadrado
o espectro da esperança

quarta-feira, 19 de maio de 2010

28 de Maio, aniversário de Ian Fleming


Em 2008 foi aqui, por causa de um livro que escrevi nesse mesmo ano. Volto ao Estoril, desta vez a convite do Arte da Linha.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

Ser diverso

Comprei-o na Feira do Livro. É o fac-simile do livro Batalha de Flores, de António Ferro, publicado no Rio de Janeiro em 1923. Obra prefaciada por seu filho António Quadros.
São crónicas e são histórias. Uma escrita refinada, irónica, por vezes desconcertante. «Detesto os livros obsesos, ventrudos, impenetráveis, cerrados, não se abrindo para ninguém, sempre metidos consigo. Adoro os livros delgados, elegantes, esguios que convivem comnosco que uma hora depois de apresentados, já nos têm contado o seu passado, o seu presente, o seu futuro». Começa assim o escrito O Meu Poeta.
O homem que proclamou que a Arte moderna é uma «Arte de relâmpago», uma Arte que «estabelece telegrafia com as almas», foi no seu tempo um avançado. De si disse: «eu só tenho a coerência da incoerência. Ser incoerente é ser diverso».

sábado, 8 de maio de 2010

O que ainda não foi feito



É sempre tudo problemático e polémico e muito discutido. Mas eu gosto. E por menor que seja, é bom porque gosto, haja ou não melhores critérios de validação estética. Engalfinhem-se filósofos, esmurrem-se críticos, rebolando a soco nas suas coutadas literárias, nada que uma noite apaixonada não dite como urgência e razão. Amanhã é tarde demais...