sábado, 31 de março de 2012

A Conquista do Pão

Lá estavam, em rimas, os livros do Manuel Teixeira Gomes, a pouco mais de três euros e os velhos Vergílio Ferreira, desirmanados, mais os novos que estão a ser reeditados e aquela montanha de romances traduzidos, imensos, com capas que os tornam todos iguais, e mais e mais.
Trouxe o Kropotkine, ainda da Guimarães, quase dado, mais um livro de orações nas várias religiões. Entre a bomba e a reza tem de haver uma salvação para o mundo.
Uma coisa notei: os livros de culinária rabiscados por celebridades do nosso tablado social aumentam. A ideia dos editores deve ser que deveremos gostar de comer o que eles comem. Até o Miguel Sousa Tavares dá cara a uma obra sobre paparoca ao lado de Dona Maria de Lurdes Modesto, esta por direito próprio.
Os tempos da "Geografia da Fome" já devem ter ido. Agora fome é ali mesmo, um pouco adiante daquela Feira do Livro na Gare do Oriente, os mendigos, vagabundos e sem abrigo para quem a literatura são os jornais em que se embrulham por causa do frio. As letras não são só gastronómicas, também caloríferas, pelos vistos.

sábado, 24 de março de 2012

Um livro de silêncio

São cartas,  de uma viuvez em que ficou o corpo tendo-se ido o ser, cartas de uma saudade agora irrealizável, a geologia empedernida da fome, carnal, o anseio e tantas formas «de tu dizeres não», cartas de um lugar ainda guardado na cama, tacteado no sono para ser mais vazio com a consciência ao despertar. Cartas incluindo a décima e última incompleta, fantasiadas como se guardadas por uma filha e não houve filha e procuradas por um amigo, o juiz aposentado, Rodrigo Xavier, para que possível fosse então entender o Para Sempre, talvez o seu mais doloroso romance, de que ele é personagem, carta de quem foi professor e ele foi professor.
Cartas a Sandra. Vi ontem que foram reeditadas mas ainda as tenha na edição da Bertrand e nem sei como foi possível terem chegado à sétima edição e talvez mais, cartas de um amor tão potente quanto dorido e afinal monótono, nascido na súplica e hesitante preparação, e a dádiva enfim como recompensa de uma tal dedicação.
Livro sobre a rejeição e a presença, obra de quem «amava estupidamente o que me doía», escrita sobre o ciúme da felicidade com o outro, a alegria breve, Paulo, perdido, regressado ao seu sombrio «até regressar à posse de mim», e Xana, a filha «a oculta face do seu real». Não sei que adjectivo exista para este livro de silêncio.