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sábado, 3 de abril de 2021

Albert Camus: livros de uma vida


 Fui comprando aos poucos, porque a vida faz perder bibliotecas, estas ao mercê dos seus insucessos, os livros de Albert Camus. Uns, agora poucos em português, a maioria, de novo já em francês, da edições de bolso da colecção Folio que a Gallimard tornou apetecível. 

Entretanto, foi-me possível, num momento de folga financeira ou de atrevimento, encontrar a obra completa já na Pléiade, com aquele típica sóbria encadernação, impressa em papel bíblia. E, depois disso, mais recentemente juntei ao lote de novo a obra integral, de novo editada pela Gallimard, agora na coleccção Quarto, desta vez enriquecida com alguns trabalhos preparatórios dos textos e notas críticas escritas por outros a tentarem dar enquadramento ao que lesse.

Hoje, ao encomendar na mesma colecção a obra integral do filósofo romeno Emil Cioran, de que me chegou, tardio eu sei, o desejo de o aprofundar, trazido o nome pela mão do Mircea Eliade, deparei-me com a questão: que fazer àqueles esparsos que fui juntando, que a alguém pode apetecer ler como a mim apeteceu, tão cedo isso foi na minha juventude? E com a questão caí no problema: mas quem lerá hoje em francês, língua em vias de extinção no nosso ensino? E quem quererá ler Albert Camus em francês e com ele a seriedade angustiada num mundo saturado de mal-estar, sedento de banalidade?

Sim, da sua autoria esgotou-se A Peste, de que houve necessidade de fazer apressadas reimpressões por causa da associação homóloga à actual pandemia. O livro que no passado foi lido como um manifesto contra o nazismo tornou-se no espelho reflexo do nosso confinamento.

Mas, regresso ao tema: que fazer daquilo que em mim é excesso e a outros, suponho, talvez necessidade? Não pretendo pô-los em venda nos OLX's pois só a ideia de os degradar ao cêntimo me incomoda. Prefiro oferecê-los, assim saiba a quem e sobretudo para quê.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

O escritor da existência

O ar austero, a dureza do meio de onde proveio, o combate que erigiu como moral, correndo o risco, o rigor para consigo e a tolerância para com todos os outros, o intrínseco humanismo, a verdade essencial de que fez existência. Procurei-o esta noite, como quem tenta reencontrar-se na perfeição pelos seus defeitos.

sábado, 20 de agosto de 2011

Tenho-a, praticamente toda, a obra do Albert Camus, a maior parte lida, muitos livros candidatos a serem lidos com maior finura de atenção e pensamento, porque foi através dele que me formei, o existencialismo e não o marxismo foram a minha escola e o meu lar, onde se gerou a minha razão sentimental, feita de repúdio angustiado do racionalismo e da negação do materialismo e seus absurdos.
Encontrei-o, ontem, na feira do livro permanente que existe na Gare do Oriente. Ali estava a saldos. Trouxe-o comigo, um livro sobre ele. Rejeitara-o quando saiu em 2009, talvez pelo preço, porque me divido e esgoto entre tanta literatura que tenho que repudiar o que afinal desejaria, talvez por ter sido escrito pelo Jean Daniel e eu transporto nas entranhas dos meus mal-estares uma vaga náusea pelo Nouvel Observateur nascido pela visceralidade irrazoável de ter visto a vulgaridade emproada em que se tornaram hoje muitos dos que eram então os seus "incontornáveis" leitores, enfim, aquelas vadias ideias e lunares pressentimentos que fazem contraditoriamente um modo de ser de um humano que se não reduza a indivíduo e lute contra a vida para ser pessoa.
Li-o quase todo pois a letra é de corpo largo, amiga dos meus olhos e do editor, que assim transformou em grande um livro pequeno.
Não é o Camus que eu esperava nem creio que a amizade que ligou o autor ao biografado tenha permitido àquele entrar no âmago mais íntimo dele. É sobretudo um livro nascido no território do remorso. Além disso, o livro tem muito do palacianismo político francês e sua corte rococó. 
O essencial ali é o Camus jornalista, empenhado a fundo no jornal Combat e já desenraizado na revista L'Express, menos o escritor, muito menos ainda o pensador. É sobretudo a questão argelina e o grave problema moral da violência e do terrorismo. Só pela questão da moral da imprensa e do utilitarismo a que quanta desta se presta vale a pena ler o que li. 
Tão diferente de Sartre, que desprezava a imprensa - e só por um arroubo já meio senil se armou para a fotografia em ardina por um instante do maoista La Cause du Peuple - é na trincheira contra a imprensa vil em que «o gozo, a pilhéria e o escândalo formam o mundo» do que se imprime - e quantos fizeram disso carreira e lucro! - instrumento de «uma sociedade que permite ser distraída por uma imprensa desonrada e por um milhar de cómicos cínicos, aureolados com o nome de artistas», uma sociedade que «caminha para a servidão, apesar dos protestos daqueles que contribuem para a sua degradação», que encontramos este ímpar filho da tragédia da existência.
Contra a imprensa dos «famosos periódicos erótico-comerciais» - e os que hoje armando-se em respeitáveis vivem dos anúncios das putas, pois que são as que ainda pagam a dinheiro - mais a «imprensa dita "cor de rosa" - a vender ilusões em que o music-hall convive com o futebol, o brazão arruinado com o burguês hipotecado - o jornalismo acampado na «subserviência ao poder do dinheiro, a obsessão de agradar a qualquer preço, a mutilação da verdade sob um pretexto comercial ou ideológico, a lisonja dos piores instintos, o "furo" sensacionalista, a vulgaridade tipográfica» ele travaria, ainda hoje, por maior razão, o seu combate.
Ainda o comprei, em Lisboa, numa loja de indiferenciados ali aos Restauradores, o Combat, o jornal que ostentava, orgulhoso a seguir ao título o mote «de la révolte à la révolution». 
Um homem revoltado ecoava-me então da pele aos ossos e seguiu-me até hoje. Como o primeiro homem, fonte de toda a Humanidade. Depois, foi o mito de Sísifo a amarrar-me ao mundo adulto das obrigações e a ânsia de que haja um Sísifo feliz. Ele encontrou-me a morte num pavoroso desastre automóvel, saindo da estrada onde afinal sempre se sentira estrangeiro.


sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

O herói absurdo


Uma coisa boa é não saberem em que dias e a que horas escrevemos, para não devassarem as nossas horas de sono, os tempos de trabalho, os instantes de coisa nenhuma.
Uma coisa excelente é não ter obrigação de escrever nem dever de ler, estar-se livre da sujeição de se escrever sobre o que se leu.
Aconteceu assim aqui, uns dias sem justificação para não ter escrito. Se fossem férias seriam umas magníficas férias, se fosse uma gripe uma gripe e peras [pergunto-me porque se diz qualquer coisa «e peras»], se não fosse nada era coisíssima nenhuma.
O resultado está à vista. Os que não são leitores assíduos nem dão conta, os outros voltarão quando puderem.
Finalmente uma coisa extraordinária é não ligar ao sitemeter, não ser importante quanto leitores há.
Quando se está uns tempos inactivo o número de visitas desce. Haverá de subir. É e lei do eterno retorno, o fundamento da tragédia de Sísifo, o último herói absurdo.
É preciso imainar Sísifo feliz!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

L'été, de Albert Camus

Longe da solidão populosa das cidades da Europa, em 1939, em Oran, na Argélia, Albert Camus escreve. Um ensaio sobre os lugares sem poesia, em que as amendoeiras florescem, inesperadas, numa certa noite fria de Fevereiro e com elas a renovação prometida da beleza. Cidade sonâmbula e frenética, apetecida por um sol devorador que a calcina, pulvurenta, marítima. Capital do aborrecimento, o lugar do Minotauro, em que Atlas aguarda apenas a sua hora.
Há na potente escrita de Camus a presença sensível da luz e da cor, do odor de tudo quanto é humano, de tudo o que é a Natureza. Sente-se, trágico, o deserto a entranhar-se na alma e com ele o absoluto e o nada infinitos e por isso um mesmo ser.
Obstinados, o mar e as pedras prosseguem ali o seu diálogo de milénios, indiferentes ao irrequietismo pobre dos miseráveis humanos.
Voltando a este seu escrito de juventude, o autor de O Estrangeiro escreverá em 1953: Oran já não precisa de escritores; aguarda a chegada de turistas.

domingo, 9 de agosto de 2009

L'Envers et l'Endroit, de Albert Camus

Durante vinte anos de vida como escritor recusou a reedição dos escritos de juventude. Ao prefaciar um deles, L'Envers et l' Endroit, para uma edição saída em 1958, dois anos antes do acidente de automóvel que o matou, Albert Camus concluía-o confessando que continuava a viver com a ideia de que a sua obra ainda não tinha começado. Tinha recebido o Prémio Nobel da Literatura um ano antes.
Estou a lê-lo agora, esse livro primordial, escrito na Argélia, nas mais lamentáveis, porque duras, condições de vida. Tinha na altura vinte de dois anos. O texto é um hino à dignidade, o apelo à pobreza sem ressentimentos; filho de pais analfabetos, em breve órfão, foi a vida de privações que o ensinou a dor de não saber possuir, a graça de fruir em plenitude o que não se goza quando começa o excesso de bens.
«Não há amor de viver sem desespero de viver», escreveu nestes ensaios que parecem uma reportagem sobre o que esquecemos da vida, as noites silenciosas, os labirintos do ser, as existências densas mesmo quando silenciosas.
O primeiro chama-se A Ironia. Estão nele três destinos diferentes e no entanto semelhantes, sentidos dolorosamente, sob o sol, naquela pátria tranquila. Num deles, vivendo «um medo ácido e doloroso», a velha mulher «acreditava que o amor é uma coisa que se exige».
Albert Camus sabia que o ofício de escritor era trabalho de vaidade. Nos salões de Tout-Paris faziam-se desfaziam-se carreiras, géneros, génios. Ao discursar ante a Academia sueca diria: «L'art n'est pas à mes yeux une réjouissance solitaire. Is est un moyen d' émouvoir le plus grand nombre d'hommes en leur offrant une image priviligiée des souffrances et de joies communes».
Conseguiu-o para muitos da minha geração. A sua escrita não erode com o tempo. Senti-o agora, também para mim quarenta anos depois.