domingo, 25 de março de 2007

A hora perdida

Isto de mal ler jornais e nem ver televisão, para já não falar no ouvir rádio, qu raramente ligo, passando agora os dias a escrever, tem de acabar. Hoje acordei e já tinha passado uma hora sem eu ter dado conta. Ainda por cima é o dia do meu aniversário. Fiquei de repente, com essa hora perdida, mais velho sem ter dado conta.

segunda-feira, 19 de março de 2007

O dia do pai

Hoje é dia do pai. E eu, que tenho uma vida de filho e uma saúde de avô, corro o risco de não chegar a netos. Restam, é certo, as mulheres, de quem se é inocentemente filho e com quem se fazem maliciosamente filhos. Hoje é o dia de me lembrar disto tudo. Resta-me plantar uma árvore, porque livros já escrevi. Se for alta, ainda me penduro nela, não enforcado - cruzes ! - mas a fazer elevações e flexões abdominais até que, condoídos com a flacidez do que de mim sobeja, surjam no horizonte, uns quantos dos amigos que restam e me levem - salve-se a dignidade do que fui! - para o lar dos sem família dos órfãos e dos estéreis, a legião dos sem dia certo nem data a comemorar.

domingo, 18 de março de 2007

Confissões estúpidas de uma estupidez!

Não vejo televisão, agora quase nem leio jornais, tenho livros indispensáveis a meio, por ler, e outros, exigentes, a um terço, por escrever. Em alguns dias dou comigo inutilizado porque a tensão arterial resolveu disparar, sem eu compreender porquê, outros moído de dores que imagino serem reais, porque as sinto, imaginárias por já nem acreditar que tenham voltado. No meio de tudo isto deram-me ontem um convite para uma exposição sobre a vida e obra de Ruben A., na Fundação Gulbenkian. Descobri hoje, dia 18, ao lê-lo, que tudo foi no dia 15, no dia 16 e no dia 17. Nem sei em que vida estúpida estaria eu sufocado nesses dias que não fui a nada, nem que estupidez de vida me fez nem ter dado conta que isto estava a acontecer. Comprei, volume a volume, tudo o que ele escreveu; consegui mesmo encontrar a sua compilação dos arquivos da casa de Windsor e os novos arquivos da Casa de Windsor e mais os escritos sobre o D. Pedro V. Li-lhe o «Kaos» e hei-de ler a «Torre de Barbela». Num dos volumes do «Cores», porque, devido a um erro de encadernação tinha folhas repetidas em vez de folhas que ali faltavam, pintei a aguarelas o vulto de um «dandy» que nem sei quem é. Diga-se que eu não sei pintar a aguarelas. Não sei qual a estupidez que me faz não saber, mas de facto não sei. Coitado do Ruben A.: reunida que tenho a sua obra, lá lhe perdi a sua vida. Foi na Gulbenkian. Moro mesmo ao lado. Sou mesmo estúpido, reconheçam!

quarta-feira, 14 de março de 2007

O preciso

Conheci um homem a quem tinham prometido, num momento difícil para si, mundos e fundos de apoio. Na hora da verdade, compreendeu que estava sozinho. Inteligente, deve ter percebido a minha perplexidade ante a sua tranquilidade compreensiva quando tudo ruía à sua volta e os amigos lhe faltavam. «Sabe, quando se precisa, não nos podemos zangar muito», disse-me, mansamente, como se não ensinasse uma regra sapiente da vida. Havia só uma coisa que ele, sábio como era, não sabia: não precisava!

sábado, 10 de março de 2007

O desejo de ler

Vim passar o fim-de-semana com a ucraniana Clarice Lispector, uma mulher extraordinária, que nos acorda, lendo-a, o sentimento e o desejo de a ler. Importa que eu explique, para que não haja equívocos que ela, uma mulher que escrevia para se manter viva, faleceu em 1977, depois de uma vida em grande parte esgotada no Brasil. Li algures que teria mau feitio e repentes de veemência exaltada, mas, como ela sabia «ninguém se lembra de que os elefantes, de acordo com os estudiosos, são criaturas extremamente sensíveis, mesmo nas grossas patas».

quinta-feira, 8 de março de 2007

Volta meu cavalo alazão

Eu que levo a vida a rir, só vejo gente triste à minha volta! Pensei nisto e nisto penso em cada hora de sorriso em cada noite de gargalhada.
Ó vós, gentes de cenho carregado, alma sorumbática, que sois musgo nas paredes da vossa alma! Acordai, escancarando-as, de par em par, as janelas do entendimento e percebei, enfim! Façam como eu: rir, rir até mais não! Mas atenção, riam-se de vós e do que parecem. Cavaleiros da triste figura, apeados de montada, escoicinhai nos desgostos passados e parti, esporeando o corcel da vida presente, à desfilada, montanha abaixo, rumo futuro para a terra do nunca, sulcando-as, pedregosas, as veredas do Destino!
Vereis que vale a pena. Para quem não tiver arcaboiço poético, há a Feira Popular, julgo eu, ou até essa, lunapark barato dos sem eira nem beira dos sentimentos fortes, também já desapareceu?

domingo, 4 de março de 2007

Tempo afectuoso

O Francisco da Conceição Espadinha, da Presença, editou agora um livro de homenagem ao António Alçada Baptista. Tinha-o visto na montra da Bertrand da Avenida de Roma, à noite, mas a livraria estava fechada. Procurei-o, alvoroçado, ainda essa noite na Barata, logo ao lado, mas tinham-se-lhes esgotado os poucos que tinham. Esqueci-me, entretanto. Ontem, na Bertrand do CCB, lá estava à minha espera, para me animar a alma maltratada.
A história do homenageado é conhecida: advogado, fartou-se da advocacia; com o dinheiros de umas heranças, comprou a livraria Moraes, que editava livros de Direito, mas fê-la rumar a outras paragens editoriais, pelas enseadas do pensamento, nos baixios da cultura, notabilizando-a mesmo no mar encapelado da poesia.
Alçada Baptista arruinar-se-ia trazendo para a vida portuguesa obras de pouca leitura, custeando «O Tempo e o Modo», a «Concilium» e tanta outra iniciativa sua e de outros do «humanismo cristão», aqueles a quem João Bénard da Costa chamou num pequeno livrinho de memória, «nós os vencidos do catolicismo».
Ontem ainda, entre a tarde e a noite, consegui ler o livro, para adormecer, já de madrugada com a incómoda sensação de como um homem pode ser descrito mas tantas vezes exilado pelos que dele não estão próximos. Alguns dos que ali escrevem e que tão próximos estiveram, é vergonha que tão distantes pareçam ter estado, a escrita seca, as palavras de palha, frases de panegírico obituário, mesmo historietas banais com que se decidiram sem remorso a colaborar.
É nisso que entendimento não contábil com o mundo», referido por Leonor Xavier, na sua contribuição, me fez sentido, por recortar o biografado, pela diferença, no mundo dos outros.
Acordei hoje para vir dizer isto aqui, com uma tristeza na alma vinda do que li num livro que se chama «Tempo Afectuoso».O António Alçada Baptista, porque é um bom homem, calculo, esteja contente, forma social de se parecer feliz. Eu vou ler o que me falta dos livros dele.

sábado, 3 de março de 2007

Uma vida debalde

Como todos os defectivos sentimentais, Fernando Pessoa era um esfaimado por afectos. Numa das suas cartas a Ofélia Queiroz lamentava-se, tristonho: «merecia ser mais bem tratado pelo Destino do que estou sendo - pelo Destino e pelas pessoas».
Mas é pela ironia amarga que Nogueira Pessoa - como lhe chama o meu amigo que é sábio - melhor exprime a amargura solitária da sua alma enganadoramente múltipla.
Foi em cinco de Abril de mil novecentos e vinte, numa carta ao seu «bébé pequeno e rabino», já depois de bebida, sozinho, meia garrafa de Porto: «adeus; vou-me deitar dentro de um balde de cabeça para baixo, para descansar o espírito; Assim fazem todos os grandes homens - pelo menos quando têm - 1º espírito, 2º cabeça, 3º balde onde meter a cabeça».

Ridícula talvez, de amor seguramente, esta carta, a pedir ao tempo que passe e a ela que soubesse ao menos como amá-lo.

P. S. Já tinha escrito isto hoje ao começo da manhã quando li no livrinho «Aspectos críticos da língua portuguesa», de Sandra Duarte Tavares, leitura de sábado, obra minúscula que cabe num canto da pasta, que não existem na língua portuguesa palavras que contenham dois acentos, pelo que se escreve «bebé» e não «bébé». Atenção, porém! O «til», explica-se no mesmo trabalho, não é um acento gráfico mas uma marca de nasalidade, indicando ditongos ou mesmo só vogais anasaladas e por isso mesmo se escreve «bênção» e não «benção». Abençoada língua esta em que, por melhor que se tente, se está sempre errado, mesmo que seja a falar da Ofélia «Queiroz» ou será «Queirós»?!

quinta-feira, 1 de março de 2007

De que cor é sentir?

Interrompi de novo a leitura do livro sobre O'Neill, porque vi, já tardiamente, um livro com cartas do Fernando Pessoa, escritas entre 1916 e 1925. São textos breves, dos que se lêm antes de adormecer e que por vezes nos tiram o sono. Logo a primeira, escrita a Mário de Sá-Carneiro, no dia 14 de Março, às nove horas e dez da noite: «estou num daqueles dias em que nunca tive futuro. Há um presente imóvel com um muro de angústia em torno». Eu nem sei o que diga quando leio esta imensão de ser numa frase só.