quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Ânsia de paz

Geração após geração, com espumante ou com lágrimas, houve sempre quem ansiasse que ao dia de hoje sucedesse um melhor amanhã. A cerimónia do Ano Novo, a romã fecunda, fértil, fruto.
O que estava escrito ou o que surgiu por acaso ditou entretanto as suas leis. Geração após geração, indiferente ao suceder, o dia de hoje tem sido o dia das esperanças renovadas. Tannhäuser, o homem cujos pecados Deus enfim perdoa, restituindo-lhe a paz.

sexta-feira, 26 de dezembro de 2008

O reino dos animais

Não esteja triste. Há sempre motivo para alegria. Em caso de emergência fuja para o reino dos animais. A porta é aqui.

Sony & Cher

Estão completamente esquecidos. Vistos hoje são rídículos, antiquados, fora de moda. Mas a canção, o que ela simboliza, traduz, sugere e induz é um hino à alegria infinita do que jamais deveria morrer.

Tempo gasto

Se há algo nos meus dias que eu sinta valer a pena relatar é precisamente o tempo gasto a ler. Não que a vida própria não dê motivo de conversa e, comparando-me com o vejo por aí, daria mais motivo de escrita do que quantas vivências mortiças e banais de que tantos fazem tema de crónica, espremendo-se em busca de um si próprios mais do que seco e irrelevante.
A noite passada voltei ao Ruben A., ao interrompido volume terceiro do livro de memórias, O Mundo à Minha Procura. Quando parei para dormir ia ele no «absorver diário da natureza física através do lado sentimental da vida». Em Campo Alegre, no Porto.
Por andar envolto em Ruben A. fui espreitar, num intervalo para estirar os olhos, mais umas folhas da sua fotobiografia. Nas páginas finais desta publica-se uma entrevista ao ido jornal Diário Popular. Entrevista banal, feita de perguntas óbvias, coscuvilheiras, num momento a perguntarem-lhe como escrevia, quando escrevia e como escrevia. Ficou-me apenas a ideia da resposta merecida, a de que conseguia escrever em qualquer lugar, «mesmo com o barulho da estupidez a mover-se». Barulho ensurdecedor, diga-se.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

A simbologia da escrita

Wenceslau de Moraes compilou em 1925 os artigos que escreveu na revista Serões. Chamou-lhe Serões no Japão. Um deles é sobre a correspondência epistolar no país do sol nascente. Acabei de o ler. A ideia do texto é mostrar como é semelhante a escrita amorosa nipónica e a portuguesa. Quase sem querer Moraes mostra-nos a diferença. No Japão não se escrevia, pintava-se, da direita para a esquerda e de cima para baixo em rolos de papel. Por ser assim é como se o pensamento se alongasse na procura do outro e a carta partisse da mão carinhosa que segura o pincel «até ao coração daquele que, longe, sofre saudades».

domingo, 21 de dezembro de 2008

A Sibila

Impossível não se gostar da Agustina, mesmo apesar do que nela se detesta. Há uma genialidade que a habita e que toca de invulgaridade tudo quanto vê. A Guimarães tem vindo a reeditar agora os seus livros, em edições definitivas de uma beleza deslumbrante, em azul.
Estive esta manhã de sol com os escritos auto-biográficos. E li-a, desventrando-me, porque «assusta-nos o íntimo das nossas vidas, por passarem todas as portas sem pensar que elas se fecham para sempre atrás de nós. Não podemos voltar para compor o inacabado ou as palavras soltas ou a que faltou experiência».
É impossível não viver entre a solicitude e a gratidão ante uma mulher assim pois «com as mulheres tentadoras os homens são solícitos; com as virtuosas são agradecidos, que é um sentimento que dura uma vida».
Leva tempo, mas a leitura chegará ao fim, distraído eu também de «maiores realidades». Muito obrigado, Sibila.

sábado, 20 de dezembro de 2008

A arca

O livro chamou-se em romeno Tinerete fara de tinerete, em francês Le temps d'un centenaire, em inglês Youth without youth, em português, enfim, em cuja língua o li hoje, dia ferroviário, Uma segunda juventude.
Francis Ford Coppola fez com ele um filme.
É um romance mas podia ser um ensaio sobre a electrocussão e seu efeito no rejuvenescimento. Nele Mircea Eliade leva ao limite a ideia de que a guerra nuclear, erradicará da terra o homo sapiens em benefício de um ser geneticamente modificado para melhor em virtude da intensa descarga eléctrica. Antecipa-se assim o homem pós-histórico, um mundo que se desliga do seu passado, em que se arma e povoa a arca diluviana, esperança num mundo novo.
«A longevidade torna-se suportável e mesmo interessante apenas se previamente se descobriu a técnica dos prazeres simples», diz-se em certo momento. Uma frase destas vale um livro.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Os braços do mar

Há na zona oriental de Lisboa lugares soturnos, onde volteiam fantasmas do que foram casas, sombras do que foram famílias, fogos-fátuos do que foram vidas. Em alguns entra-se por arcos ogivais e são vilas engalanadas de pobreza, de outros sai-se por canadas estreitas com urina nas narinas e um lamento esboroado nos sentimentos. Ficam aí armazéns de comércios que já fecharam, tipografias de repartições que não imprimem. Aqui e além um asilo de filhos da desgraça, pensões dos que ainda não sairam dela. Às vezes são os focos de um teatrinho a iluminar esperanças, os néons de uma cervejaria a anunciar tremoços.
Ao lado, numa marginal de prata que a lua mal ilumina, o rio corre indiferente, sempre jovem na sua renovação aquática, desperdiçando-se nos braços do mar.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

A cor dos dias

Hoje, a meu lado, pela hora do almoço falavam do António Alçada Baptista. Ele dizia-lhe que com certeza «o Alçada, porque fundou a revista O Tempo e o Modo e mais a Livraria Moraes e mais essas coisas todas tinha com certeza um projecto pessoal e uma ideia». Ela respondia-lhe, sem perguntar sequer o que eram «essas coisas todas», que não sei quem estava zangado por se dizer que ele escrevia nas revistas femininas, «mas olha que os artigos na Máxima eram muito bons». Ele, sem se ficar e sem reparar nas feminilidades, aditava um «acho que ele queria fundar era um partido da democracia cristã». Era, perguntei-me eu. Ela, como se viesse a propósito, perguntava-lhe se ele tinha lido o artigo que o Vasco Pulido Valente tinha escrito sobre o António. O Alçada Baptista, claro. Eu por acaso não tinha lido. Ele, num vai-vém, comentou então, como se a conversa tivesse lógica, que «ele coitado era católico e progressista, uma contradição». Coitado, claro. Ela rematou que «ele tinha um filho escritor mas que, coitado, era conhecido como o filho do Alçada». Coitado, pois.
Nessa altura eu já me tinha vindo embora. Coitado eu também. Com uma dor de cabeça que deu em vomitar pela hora de jantar. Ai amigo, haja pena dos vivos que os mortos ao menos esses já foram indo para a terra do além de ter de os aturar aos chamados sobreviventes.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Scheiße!

Haja um momento de alegria nestes dias insípidos, depressivos, irritantes, carregados de notícias funestas e de motivos de consternação.
Vem isto a propósito de há uns anos - tenho de fazer contas para reconstituir há quantos - eu ter estado no austero Max Planck Institut für ausländlisches und internationales Strafrecht em Freiburg, na Alemanha, ou seja concretamente aqui, na minha ânsia de estudar Direito Criminal Comparado, o que tomava então conta do meu inquieto ser.
Foram dias belíssimos, entre a biblioteca e um albergue numa mansarda de uma casa particular em que o meu quartinho era tão pequeno que, ao levantar-me, a cabeça batia na trave do telhado. Comi bolo de amoras e bebi schnaps.
O lugar tem toda a quietude da Floresta Negra a marcar-lhe a densidade, mais séculos de sobriedade científica alemã. No que falta para o rigor universitário o velho espírito teutónico povoa-lhe as ruas. Excepção só mesmo a colónia estudantil, cosmopolita e irrequieta na justa medida. É a respeitabilidade feita local.
Ora não é que hoje, com a tarde a findar, eu vejo esta notícia magnífica, a de que desejosos de ornarem a capa da sua revista com algo de simultaneamente belo e simbólico, os editores do Max Planck Forschung, a revista oficial do Instituto, optaram por caracteres chineses que, de facto, com o fundo em vermelho, formam um conjunto sóbrio e apelativo, como se pode ver tendo a maçada de clicar aqui.
Só que - azar dos Távoras! - quis o cruel destino rir-se de tanta circunspecção e de tanto recato e ... os caracteres chineses são, afinal, o anúncio de um bordel em Macau! Segundo os que sabem ler tão esquisitos hieróglifos dizem «Donas de Casa Quentes» e dão conta do que tais acaloradas senhoras são capazes nas suas perfomances em strip-tease!
Não acreditam? Vem tudo aqui, no jornal The Independent!
Mais! Tentando achar uma explicação para remediar o embaraço, uma fonte do agora gozado organismo científico alemão veio dizer que «a língua chinesa tem vários níveis de profundidade». Pior a asneira que o soneto! É caso para dizer: Scheiße! Quer dizer m...
P. S. Voltei aqui para explicar que sei haver na Alemanha mais do que um Max Planck Institut. Falei do que conheço. Isto é preciso muito cuidado! Há sempre quem, não achando graça à piada, tente desmoralizar os que se julgam engraçados. Apre!

domingo, 14 de dezembro de 2008

Uma esmola

Vi há pouco e aqui tão perto o original de uma carta de Camilo Pessanha a Ana de Castro Osório. Uma carta de amor em Vossa Excelência, porque eram pesados os reposteiros que guardavam os sentimentos da indiscrição de as palavras os trairem.
Quis o acaso, o sucedido que finge sê-lo para que nele acreditemos, que esta manhã eu tivesse lido precisamente uma dessas cartas, agora ali, visível a sua caligrafia miúda, cuidada, para que, mais do que uma missiva, ela própria, no seu papel, na tinta que a inscreveu, em cada uma das palavras que dela constam, fossem uma lembrança de afeição.
Camilo Pessanha pede «para lisonjear profundamente toda a minha pobre sensibilidade dorida, um jornal, de vez em quando, em cujo endereço eu reconhecesse a letra de V. Ex.ª.». Uma esmola, diz, e como é duro ouvir esta palavra no vocabulário sentido de um amor pedinte.

O Príncipe de Salina

«Seduzi-la foi um acto de conquista, desposá-la um acto de rendição», a frase que me resume três horas de narrativa cinematográfica de O Leopardo de Visconti. Assim também para aquela Itália possuída pelos Bourbons, cortejada pelos Sabóias, tomada pelos de Garibaldi. Uma verdade de esperanças fuziladas pela desilusão, numa Sicília em que o orgulho suplanta a miséria, em que o desejo de esquecimento é a mãe de toda a indiferença, mesmo a mais violenta. É a história de uma senhoria, entre dois mundos a nenhum dos quais já pertence.

sábado, 13 de dezembro de 2008

Um livro sublinhado

Acabei, enfim, de ler a Manhã Submersa do Vergílio Ferreira. Rara é a folha onde não deixei uma marca, um sublinhado, o traço da importância do que ali se conta, de quanto me vincou o modo como se conta.
Ficam-me os livros sublinhados como história da vida, memória a lápis, à margem, em rodapé ao escrito. Biblioteca de desencantos, de esperanças, de similitude.
Livro biográfico, da sua passagem infrutífera pelo seminário da Guarda, a Manhã Submersa conta a ruptura de vocação, a crise de fé do jovem seminarista António Lopes, miúdo de catorze anos, cuja orfandade e pobreza o haviam tornado candidato ao sacerdócio.
Nas páginas finais, confrontada com o irremediável de um filho que negava o conforto da vida eclesiástica, sustento e amparo de todos e orgulho dos seus, a mãe, moída de o ver triste, perde-se a dizer «e então eu digo se não era melhor que tivesses morrido em pequeno». Logo arrependida, a tentar justificar-se, «dorida de necessidade», a tratá-lo com «um carinho medroso», corrige: «eu não devia dizer isto, Deus me perdoe. Mas sinto cá dentro que é como se não fosse mal dizê-lo».

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

A irrealização

Aproveitando um intervalo, fugido ao vento e às obrigações, li umas páginas de cartas de Camilo Pessanha. Numa delas escrita ao seu primo José Benedito de Almeida Pessanha deixa esta observação densa acerca da aspiração falsa que é a luta pela realização do prazer: «o prazer, não tendo realidade sua, era o aniquilamento do desejo, de forma que esta luta representaria ansiar a morte». Continuando acrescenta: «cada desejo constitui uma dívida da natureza para quem o sente: a morte é a cedência das dívidas antigas, para evitar que ela volte a contrair novas dívidas».
Um homem que assim pensa traz dentro de si a totalidade da sua biografia. Vivendo conforme o desejo, negando-se o prazer de o satisfazer, a sua vida é essa irrealização. Há quem chame a isso infelicidade. No fundo, é apenas o destino.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Dar-se ao riso

Já não sei onde o encontrei. Mas foi num alfarrabista, seguramente, porque é o que agora se chama, nesta época de eufemismos adocicados, um livro «manuseado».
Ao meu ser ansioso oferece a gratificação de serem curtos os seus textos e chegar-se ao fim de cada antes que a atenção se disperse, esvoaçando das linhas para os sonhos que se desalinham.
Ao meu ser literário são magníficas expressões do melhor modo de dizer. Incapacitantes de se escrever sem vergonha.
Ao meu ser moral aflige-me dar conta que terá sido furtado em alguma biblioteca ou alguma biblioteca o despachou, ao liquidar-se, pontapeando-o para o adelo. Está nele um carimbo a gravar a posse, a certificar o extravio.
São pequenas prosas do José Gomes Ferreira. Pequenas prosas digo eu que as achei grandes prosas e as li inflamandamente satisfeito de as ter encontrado.
Chama-se o livrito, Os Segredos de Lisboa.
A última história, ribombante de riso, é a do Delicadezas, untuosa personagem, melíflua e escorregadio de contumélias e outros arrebiques de veneradores salamaleques.
Li-a, com vontade de que a cidade a ouvisse ler e saísse aos urros de alegria e aos guinchos de gargalhada a ribombar foguetes, livrando-se desta tristeza que em breve se anuncia natalícia. «Ah! Se Vossa Excelência me honrasse com a consideração de adivinhar o que eu padeço!», saiu-se o homem, pobre cobrador de cerviz cambada, num momento de agonia e «os olhos entristeciam-se de um segredo fechado».
Eis a maldade dos sentimentos: a comédia da dor própria é tornar-se na alegria alheia. Nasce assim a figura do palhaço. Uns tempos depois surge o circo e com ele o dar-se ao riso tornar-se numa forma de viver.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Feriado

Antigamente era este o dia da mãe. Depois mudaram o dia. Não mudou a ideia de mãe.

domingo, 7 de dezembro de 2008

António Alçada, com A's grandes

Vinha a chegar a casa quando ouvi no rádio: tinha falecido esta mesma tarde de chuva o António Alçada Baptista.
Ainda hoje tinha estado a falar nele, a propósito de O Tempo e o Modo, projecto para cuja viabilidade se endividou e que fundou em 29 de Janeiro de 1963, no dia em que perfazia 36 anos. Afeiçoada ao personalismo cristão, inspirada na Esprit, ela deu aos «vencidos do catolicismo» - a expressão é de um amigo seu, o João Bénard da Costa - a oportunidade de clamarem por uma visão eclesial e um outro ecumenismo, fazerem da fé uma militância social.
Estou em casa e em volta de mim espalham-se agora livros seus, editados pelo seu amigo Francisco da Conceição Espadinha, editor na Presença como ele o foi com a sua Moraes, chancela a quem a jovem poesia portuguesa tanto deve e que em 1972 foi forçado a vender, por ter nela gasto o que tinha e o que não tinha.
Li-os a esses livros porque me preparei para um entrevista que nunca chegou a conceder-me, então já a sua saúde precária, na qual lhe perguntava como era ao ter rompido com a advocacia, ele que largou o foro, refugiando-se na Literatura, quando sentiu que era, afinal «um porrete» que o seu cliente usava para maltratar, num processo de partilhas, um cunhado com quem se inimizara.
Morreu um homem bom. A sua passagem por este mundo foi a manifestação da sua generosidade e a expressão do amor ao próximo.
Num dos seus últimos textos escreveu: «vivi com Deus desde pequenino mas, à maneira que fui crescendo, ele foi mudando». A existir esse Deus, que nunca lhe «apeteceu deixar», ter-se-ão encontrado agora, terminada que está a sua peregrinação interior.

O desespero

Ontem na Cinemateca por um súbito desejo, fruto de uma prolongada carência: a sala estava cheia.
Há no Othello de Orson Welles o rasgar da sensibilidade do espectador pela sucessão de planos de luz e de escuridão, a penumbra como lugar de expectativa.
Sim, do ponto de vista estritamente cinematográfico é isso, mais o ritmo alucinante da narrativa, os planos arrojados de enviesamento da imagem, os ângulos de observação, os grandes cortes picados, em que a expressão humana invade a sala e com ela jorra um sentimento que fere, agride, dói. E depois há a voz, a corpulência, tudo o que no criador de Citizen Kane impressiona, marca, se apresenta.
Mas há mais, porque há uma obra literária contada em trinta e cinco milímetros.
A tragédia daquele Othello é, sim, a da existência, a de ser-se o que se é, como ele nos diz no diálogo final, visto do alto da cripta onde fez alcova, o tálamo onde comete o seu horrendo crime amoroso, por um funesto amor.
Está ali o mercador de Veneza, marioneta humana às mãos de Iago, essa personagem que na sua amoralidade exprime o pior do renascentismo, a falta de escrúpulos como uma das belas artes. Nisso está fielmente presente William Shakespeare, como em Macbeth.
Mas está mais, muitíssimo mais, a ditar a grandeza do filme, a lição de uma noite: história de horror humano, ao findar o quinto acto, Othello mata Desdemona não pelo ódio do ciúme, mas pelo tão magoado e insuportável desprezo por si. Ganindo de dor, a sua alma dilacera-se à ideia de que ela se lhe entregou, a ele como porventura a tantos outros, tentada pela luxúria da sua inferioridade, mouro, negro, aquele para quem a dúvida mortal é, afinal, o prenúncio do desejo de morrer.
Othello mata para se matar e mata-se de novo. Estranha, invulgar, única forma de viver um amor, fruto do desespero de se julgar assim amado.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Quatro quartetos

«O que podia ter sido e o que foi/Tendem para um só fim, que é sempre presente». É um instante dos Quatro Quartetos de T. S. Eliot.
«What might have been and what has been/Point to one end, which is always present».
Trago-os, esses cortantes versos, lidos por Burnt Norton. Viajam comigo pela viagem do tempo.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2008

A toupeira

Na sua biografia de Stefan Zweig, Jean-Jacques Lafaye escreve que ele «imaginou demasiadas dores humanas para poder escapar delas». Sente-se isso ao ler a formidável novela O Coração Destroçado, a história do comerciante Salomonsohn, em cujo coração, qual toupeira, a angústia cava um túnel, «a ferida que não dói», tal «o sangue a correr para dentro do seu próprio sangue», o «derrame invisível» que o destruirá.
Escravo do dever, agrilhoado às obrigações, torna fácil a vida de uma família, escravizando-se a ganhar o dinheiro que a todos, no entanto, fará perder. É uma história de sordidez moral travestida em amor familiar.
Deus pune e o seu Deus puniu-o com o horror indigno de ter de «engolir a própria cólera, como um cão engole o seu vómito». Ridícula, ainda por cima a razão.
No dizer dos seus, ele era o homem a quem «fazia mal ver os outros contentes». «Fechara-se no seu ser o que quer que fosse; tornara-se inacessível, ausente, como se a sua alma tivesse sido emparedada». Li-o ontem, uma história de resignação.