quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Clízia

Por causa de uma obrigação a que me amarrei, pois não há meio de aprender a dizer que não, vim no comboio a estudar o Maquiavel. Não é ler, que isso faz-se, enfim, como quem leria por estranho desfastio o Orlando Furioso do Ariosto ou por insólito deleite as traduções do italiano feitas pelo Vasco Graça Moura ou relesse mesmo, como se fossem livros novos, os Dostoievski's agora traduzidos do russo ou o Musil enfim traduzido pelo João Barrento, só que nunca mais saindo das desventuras do pupilo Törless.
Não é ler, é estudar, de lápis na mão, a sublinhar, entrando pela errática cronologia das suas obras, pelas dúvidas sobre a sua formação humanista, pelas ambições venais do Secretário, e, chegava o comboio ao Pragal, o Tejo à vista, entrando eu pelas intimidades de saber se a Clizia, a última obra sua, uma peça sobre os efeitos devastadores do amor, representada dois anos antes da sua morte, não seria, em aguda e dolorosa consciência, a comédia da velhice, o crepúsculo senil dos ardores impossíveis, a morte anunciada do amar o amor que lhe deu seis filhos, um casamento, e o enamoramento pelos jogos de poder e sedução.