domingo, 4 de maio de 2008

Vidas vividas

Uma das coisas boas na leitura é ir lendo, hoje um livro, amanhã outro; mas o melhor é nunca ter a preocupação de ler até ao fim. Um livro é como uma pessoa, não se esgota, vai-se vivendo com ela, folheando-a, sem índice, ao sabor do momento.
Comecei há tempos, e disse-o aqui, a leitura de uma biografia do Stefan Zweig, escrita pelo Jean-Jacques Lafaye. É uma visão sentida e direi mesmo dorida do autor de «Vinte e quatro horas na vida de uma mulher».
Há duas noites entretive uma insónia teimosa com a recta final da história, o momento em que, separado já de Frederike, sua mulher, Zweig chama para junto de si Lotte, a sua secretária e amiga íntima. «Chamando Lotte para seu lado, não é a paixão que fala mas uma legítima compaixão por uma mulher abandonada e sobretudo o amor ao seu próprio trabalho que ela consegue comunicar-lhe pela constância da sua dedicação e o seu sentido de boa ordem».
Fiquei aí, na página 194, antes de me começar a doer a cabeça, no momento em que entendia o que é amar-se um homem pelo que há em si de demónio criador, devorados por isso um a um os sentimentos.
Matar-se-iam os dois, envenenando-se, deixando juntos a vida que os unira. Há vidas que, tal como os livros, não podem ser vividas até ao fim.