sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

A arte do ventriloquismo

Na sua biografia sobre Erasmo de Roterdão, Stefan Zweig surpreendeu-lhe, ao contemplá-lo na impressionante gravura de Dürer e no quadro de Holbein, a expressão de um corpo substancialmente inferior à dimensão da obra que o seu cérebro infatigável criou. A sua vida não residia no corpo mas no pensamento
Máquina de pensar, mestre no estilo irónico, escondendo-se atrás de um discurso em que o se e o no entanto eram defesas ante os poderosos, este homem viu o mundo através dos livros, escondido atrás do baluarte dos livros.
Naquele tempo os que viviam entre espíritos irmanavam-se com a criadagem. Saber pedir era uma forma de sobrevivência. «Erasmo lisonjeia nas cartas, para ser mais sincero nas obras», escreve o seu biógrafo austríaco. O Elogio da Loucura é, como artifício de cinismo, um prodígio de inteligência defensiva. Nunca se sabe quem fala, se ele se Dona Estultícia. É a arte do ventriloquismo na sua melhor expressão.