Estou a lê-lo agora, esse livro primordial, escrito na Argélia, nas mais lamentáveis, porque duras, condições de vida. Tinha na altura vinte de dois anos. O texto é um hino à dignidade, o apelo à pobreza sem ressentimentos; filho de pais analfabetos, em breve órfão, foi a vida de privações que o ensinou a dor de não saber possuir, a graça de fruir em plenitude o que não se goza quando começa o excesso de bens.
«Não há amor de viver sem desespero de viver», escreveu nestes ensaios que parecem uma reportagem sobre o que esquecemos da vida, as noites silenciosas, os labirintos do ser, as existências densas mesmo quando silenciosas.
O primeiro chama-se A Ironia. Estão nele três destinos diferentes e no entanto semelhantes, sentidos dolorosamente, sob o sol, naquela pátria tranquila. Num deles, vivendo «um medo ácido e doloroso», a velha mulher «acreditava que o amor é uma coisa que se exige».
Albert Camus sabia que o ofício de escritor era trabalho de vaidade. Nos salões de Tout-Paris faziam-se desfaziam-se carreiras, géneros, génios. Ao discursar ante a Academia sueca diria: «L'art n'est pas à mes yeux une réjouissance solitaire. Is est un moyen d' émouvoir le plus grand nombre d'hommes en leur offrant une image priviligiée des souffrances et de joies communes».
Conseguiu-o para muitos da minha geração. A sua escrita não erode com o tempo. Senti-o agora, também para mim quarenta anos depois.