quinta-feira, 5 de novembro de 2009

O corta-sabores



Não se lê todos os dias mas pensa-se todos os dias. Um blog que se diz ser de um leitor talvez suporte ser um blog sobre o que pensa esse leitor não só sobre o que lê, mas também sobre o que não lê.
Está agora na moda editar livros que pretendem ser tudo aquilo que você tem de ler antes de morrer, listagens de «imperdíveis», «incontornáveis» e «abolutamente necessários».
Claro que é por causa disto que quem não aprende a fingir que leu o Ulisses do Joyce faz fraca figura num salon assim como quem, numa reunião gauche confessasse nunca ter lido o Das Kapital.
Depois há o mimetismo dos que de repente surgem familiares com autores de que uns dias antes nunca tinham ouvido falar, surpreendendo-nos com a inesperada adesão ao género e à espécie de que os julgávamos alheados e indiferentes. É o macacodeimitaçãozismo como aqueles que, num jantar de cerimónia, espreitam por um canto do olho com que talher é que se come aquela esquisita entrada, atentos ao milieu para não parecerem a ele estranhos.
Houve tempos em que o Italo Calvino ainda se dava ao trabalho de nos convencer a porquê ler os clássicos suscitando em cada um de nós a adesão pela simpatia e o convencimento pela compreensão. Hoje o mercado está mais agreste. A intimidação é o seu meio.
Tal como nos regimes autoritários em matéria de educação há um «programa oficial» obrigatório e os compêndios «adoptados», também os ditadores culturais impõem o programa oficial da cultura necessária, a permitida e a proibida.
Claro que há uma maneira de escapar. Quando numa das voltas do serviço de mesa, na hora dos corta-sabores, se alguém perguntar se já leu o Harold Pinter ignore a pergunta e diga que está a ler o Frei Manuel do Cenáculo Vilas Boas Anes de Carvalho. E arranque numa cavalgada heróica de erudição: nasceu em Lisboa no dia 1 de Março de 1724, faleceu em Évora a 26 de Janeiro de 1814 na avançada idade de 90 anos incompletos. Era filho dum serralheiro chamado José Martins, natural de Constantim, termo de Vila Real, e de Antónia Maria, natural de Lisboa. Quando contava 16 anos de idade professou na ordem Terceira de S. Francisco, a 25 de Março de 1740, no convento de Nossa Senhora do Jesus. Cursou os estudos de humanidades, e depois teologia na Universidade de Coimbra, em que se doutorou a 26 do Maio do 1749, tendo já exercido o magistério por três anos no Colégio das Artes, e logo em 1750 foi a Roma assistir ao capitulo geral da sua ordem. Voltando a Portugal, seguiu para Coimbra...
Vai ver que não o importunam mais. Imperdível!