sábado, 28 de novembro de 2009

Rumor Branco, de Almeida Faria


Almeida Faria escreveu-o teria dezanove anos. Foi uma revolução na minha cabeça. Nunca tinha visto um livro com tão poucos pontos finais, um livro em que a seguir aos seus escassos pontos finais a palavra estava escrita com letra minúscula, um livro graficamente provocador. Mas mais, nunca tinha visto, no pequeno mundo das minhas escassas leituras, uma tal torrente verbal a arrastar na sua densa narrativa um revolto aluvião de sentimentos, de ideias, de conceitos, de mundividências.
Vergílio Ferreira arriscou apresentar a obra. Subrogando-se à sede de vingança do grupo neo-realista, de que ele se apartara a partir do seu romance Mudança, Alexandre Pinheiro Torres abriria então fogo sobre o livro e sobre o apresentador nos mesmos termos em que Sócrates foi acusado de ser um corruptor moral da juventude. Era proibida aquela escrita de interiores, expressa numa ladainha de tristeza em que a luta pelo pão e pela paz estava quase ausente. Não se poderia perdoar que, depois de uma vida que dedicara desde então àquele género tido agora dissolvente e reaccionário o autor de Aparição desse a mão, apadrinhando um seu aluno.
Tudo pertence ao ano de 1962 menos um facto: a polícia do gosto.
Rumor Branco seria um sucesso. Depois dele o seu autor encolher-se-ia. Os livros seguintes já não teriam o Daniel João pequeno-burguês «desde antes de nascer» e a sua aprendizagem erótica. Já estava presente a fome, a exploração e a luta dos oprimidos. Editado pela Caminho conheceria o sucesso. Tenho pena de ter perdido ou ter deixado ficar por aí o meu primeiro exemplar. Ele tem dentro o grito de surpresa dos meus quinze anos, quando o li.
Benigno José Mira de Almeida Faria, Nasceu em Montemor-o-Novo. Cursou Direito e Letras. Hoje é professor de Estética. Ganhou com o livro o Prémio Revelação. Graças a esta escrita fiz-me parte do que sou..