domingo, 31 de janeiro de 2010

Borges Sentimental

Encerrado na biblioteca de seu pai, da qual julga nunca mais ter saído, Jorge Luís Borges ouve a explicação do paradoxo de Zenão de Eleia, que nasceu 495 anos antes de Cristo de Nazaré. Para auxiliar a compreensão, o pai utiliza um tabuleiro de xadrez.
O paradoxo conta-se através da história de Aquiles, o mais rápido corredor da antiga Grécia de então, e da tartaruga: por mais que corra, partindo ambos do mesmo ponto, Aquiles jamais alcançará a tartaruga, porquanto no momento em que estiver mais perto dela, já ela terá avançado um pouco mais, pois «para completar os 100 metros, ele terá que completar a metade destes (50 metros) e para alcançar os 50 metros deve alcançar a metade destes também, isso infinitamente».
Em termos numéricos é assim: «supondo-se que a distância de A para B é 1, a distância que Aquiles deve percorrer é a série 1/2 + 1/4 + 1/8 + 1/16 + 1/32 + 1/64 + 1/128...» e assim sucessivamente e neste advérbio está a chave do problema.
A gravidade do paradoxo de Zenão é a constatação de que, para alcançar a tartaruga, Zenão teria de percorrer todos os infinitos pontos até alcançar o último, pelo que a sua vitória seria a demonstração da absurda finitude do infinito.
Eis o ponto em que um homem se interroga sobre os limites da sua própria convicção: quanto mais certeza houver sobre o ponto em que se encontram cada um destes tresloucados corredores, mais é incerto o momento em que isso está a suceder.
Só o  tempo tornaria inescapável o espaço e, no entanto, há Deus e com ele a convicção de um infinito incontável. A degradação do número em relação à geometria tornou insondável o drama da incomensurabilidade. Neste contemporâneo mundo, digital e quantificável, o aviltamento do homem e o afundamento da sua História demonstram-se assim.
Eis na sua simplicidade a tragédia da existência. «Na circunferência do círculo o começo é o fim», disse Heráclito de Éfeso. Ao morrer, o humano julga-se, arrogante, excepção a essa reiniciação cósmica.
Escrevo tudo isto por ter começado a ler a extraordinária biografia sentimental que Solange Fernández-Ordóñez escreveu e a que chamou «O Olhar de Borges, uma biografia sentimental».
Uma sensação de urgência povoa os céus. Cada vez mais os números são mais pequenos, as fracções progressivamente maiores em grandeza, menores em extensão.
Envelhecer é isto, ter em cada instante mais idade e menos tempo, até ao inalcançável dia zero da existência, o único que restituiria a paz da imobilidade, a ausência do perpétuo movimento.