sábado, 27 de fevereiro de 2010

Uma língua inútil

Já tinha falado dele. Voltei às suas páginas. Estive em Macau quando se lançou o bilinguismo como política oficial para que a língua portuguesa perdurasse na Administração chinesa, após 1999, língua oficial ao lado do chinês. Forçou-se a barra a preço de ouro. Na altura nem os polícias na rua compreendiam português. Nos táxis batiamos no ombro direito ou esquerdo do motorista sinalizando-lhe para onde virar, o destino escrito em papelinhos em caracteres que pareciam gaiolas de passarinhos mas eram hierogrifos.
Terra de maledicência mesquinha, um espírito irrequieto apodou de bifidismo essa tentativa de pôr toda a gente a falar duas tão distantes línguas. Dos portugueses só uns tantos poucos se deram ao esforço. Enfim havia os intérpretes.
Sentia então por ouvir dizer o esforço que para aquelas crianças chinesas significava aprenderem o cantonês local, o mandarim oficial, o utilitário inglês e o impingido português.
Natividade Ribeiro ensinou em Macau durante vinte anos. Escreveu um livro frágil de sensibilidade, um livro que se esfarela entre os dedos, porcelana literária. A sua personagem, Ana Costa, sofre em Macau o amor de ali viver, «num lugar onde as pessoas viviam num mundo de paralelas infinitas», ensinando português a alunos para quem isso era «uma língua inútil para as suas vidas».
Uma edição de Livros do Oriente, dirigida por Beltrão Coelho. Magnífico.