domingo, 19 de dezembro de 2010

A Engrenagem

Consegui lê-lo e sobretudo vê-lo. Fiquei assim a saber da vida militante, na qual a Literatura era uma exigência da pessoa que o cidadão dispensaria em nome de valores mais exigentes. Dois momentos desse magnífico álbum sobre Soeiro Pereira Gomes o demonstram. Cito-os de cor, porque arrumei o livro na estante e estou preguiçoso demais para o ir buscar e o que melhor fica do que se leu é o que recordamos sem ser necessário relê-lo. Primeiro, uma frase de Tolstoi: se puderes evitar escrever um livro não o escrevas. Segundo um apontamento seu: se por outras razões mais urgentes tivesse que largar a Literatura, fá-lo-ia, oxalá!
Na primeira, a gravidade da escrita, na segunda a sua complementaridade. A escrita é demaisado séria e que a dispensem aqueles para quem ela não é uma exigência fatal do ser. A escrita não é a totalidade da vida e que vivam os que julgam viver através do que se lê.
No mais, Soeiro Pereira Gomes é o que se imagina no mais nítido neo-realismo: a luta pelos valores do seu partido e pelas causas do seu povo, a pertinácia trabalhadora, o colectivo, a denúncia da opressão e da miséria, a tensão entre o panfletário e o artístico. Ligado directamente a Àlvaro Cunhal, viu livros seus merecerem a honra de capas com desenhos deste.
Não sei se é totalmente idêntico a Alves Redol. Vou relê-lo para saber. Morreu, no ano em que eu nasci, depois de num desastre fatal, ter caído de uma bicicleta.
Nos arquétipos comunistas o símbolo do homem da bicicleta, camarada nocturno, clandestino, pedalando sacrifício pela noite do medo é uma figuração essencial. Pressenti ontem que seria ele essa figura evanescente.