sábado, 26 de novembro de 2011
A tristeza como doença
Ângelo Pereira e Odemiro César escreveram o que é um clássico talvez controverso e a minha [fraca] memória regista quem tenha criticado o livro. Mas a simplicidade tem o seu lugar e mesmo o discutível. Biografam Wenceslau de Moraes do ponto de vista das relações amorosas que teve. Aditam-lhe um [então] inédito e um excerto de diário. Foi a obra publicada em 1937, pela Editorial Labor. Trouxe-o de casa de minha mãe. Foi dos que restou da biblioteca doméstica que por Angola ficou em 1962. Chama-se "Os Amores de Wenceslau de Moraes". Acabei de o ler.
Fazendo jus à mentalidade da sua época, dominada ainda pelo positivismo, o livro tenta encontrar na patologia a explicação para o génio e para a invulgaridade do carácter.
A apetência no feminino pela delicadeza das mãos e pela pequenez dos pés, em detrimento de outro qualquer atributo da beleza física, surge para eles como «hipertrofia do sentimento natural do amor que os livros científicos apontam como uma das características mórbidas dos degenerados superiores», de um ser de «temperamento profundamente sensual, ligado a uma nevropatia hereditária», «alma de uma sensibilidade doentia, hiper-excitada pela doença nervosa ocasional», cuja «neurastia agrava-se de dia para dia», cuja «solidão arrepiante» é o fruto de uma «hipocondria com todo o seu cortejo de misérias físicas».
Eis pois um homem colocado na morgue literária, sob o bisturi dos médicos legistas seus críticos, as vísceras sobre a mesa do teatro anatómico.
«Eu fui sempre um triste», confidenciou ele ao seu diário íntimo, em 7 de Setembro de 1925. Percebe-se isso pelo livro, mas como um defeito de carácter, uma neurose. Enfim, uma tristeza mortuária.