sábado, 29 de dezembro de 2012

Ruben A. em biografia

 
Ainda vou a meio e lerei tudo. Estou naquela fase em que raramente deixo um livro por terminar, mesmo quando arrasto a leitura por um longo tempo. É a biografia de Ruben A., escrita por Liberto Cruz e Madalena Carretero Cruz.
É difícil, eu sei, o género biográfico, porque se pode ficar prisioneiro de simpatia ou antipatia pelo biografado, escurecendo os seus maus momentos ou acentuando dele os piores instantes. No caso é mais difícil porque o biografado é um ser incerto, que viveu em desconcerto e em modo errático, porque nele a graça da blague obnubilou muitas vezes o sentimento profundo e as ideias invulgares. Mas sobretudo porque se trata da biografia de quem escreveu a sua própria memória, através dos três volumes do livro O Mundo à minha Procura e os seis das Páginas, tudo narrativas centradas sobre o que viveu e viu viver, entre o luxo fulgurante da abundância de vida e a precariedade dos meios de subsistência com que tantas vezes se viu perseguido, nessas guinadas de altos e baixos dos que verdadeiramente são. De quem escreveu livros que quase ninguém leu e fez disso chiste como consolo.
Talvez falte ao livro aquela chama de alma que Ruben A. colocou em tudo quanto escreveu, aquele modo de ser diferente em que muitos viram o snob outros, não o dandy da Linha, mas sim a manifestação radical, meio anarquista, da estética do absurdo, a provocação, a modernidade. Compreendo que não é fácil captar-lhe do espírito a essência e, nessa faceta, a biografia é por isso mais o relato da viagem do que a dos sobressaltos do viajante. Para se alcançar o pulsar irrequieto daquele cérebro e a síncope daquele coração, que o trairia, é preciso ir-se directo às fontes, à sua ficção, aos diários e reflexões, mesmo ao recentemente editado teatro - para mim o seu género menor, ele que o cultivou como interessado e culto espectador na sua Londres vista a representação de que antes lera o argumento, os estudos académicos sobre o seu D. Pedro V. Os biógrafos foram mas o leitor terá de ir. Visto, assim, a biografia enquanto cronologia cumpriu a sua missão: alicia. Dá vontade de ler do biografado a obra, mesmo àquele que já a leu.