domingo, 23 de abril de 2017

Almada, o africano


Levei-o esta manhã porque está aqui perto, na Gulbenkian do seu Despertar, a exposição sobre o José de Almada Negreiros, a qual eu ainda acabo por perder ao ser um impaciente de personalidade incompatível com filas e multidões e, a somar, com o que surge - ainda que excepcional em qualidade - com o rótulo elitista de evento "imperdível" colado ao facto pelos polícias do bom-gosto.
Não fui mas irei à exposição e até comprei já o catálogo e, como contra-peso, dois lápis alusivos, aliás de má grafite, coisa que me arrasa os nervos, embirrento que sou com essas pequenas coisas que se me tornam enormes em efeito, sobretudo quando a escrita dá em invisível no papel, cinzenta em vez de negra.
Mas, como dizia, levei o livro comigo e estive a lê-lo, aos excertos, os capítulos sem ordem, os mais imediatos sobre o filho José primeiro, porque o livro trata do pai, e do seu outro filho António que se tornou militar e depois entrou no comércio da emigração, e por isso terminou rico porque assim casado.
Não posso dizer que não gostei de uma obra que me levou a uma São Tomé dos finais do século XIX e, assim, às reminiscências da minha origem, pois meu pai por ali deambulou umas dezenas de anos depois. Nomes como a "Roça Saudade", onde «o menino com olhos de gigante» nasceu a 7 de Abril de 1893, antes de ser «transplantado para Lisboa» dois anos depois, ficando órfão de mãe um anos depois disso, fazem eco. 
Ela tenta convencer, citando um verso comovido e beato, que o pai «Almada Negreiros amava o filho»; mas não deixa de ser sintomático que, como o autor reconhece, José de Almada nem uma só vez se lembrou, na sua obra, dos nomes dos seus pais - António Lobo e Elvira Freire Sobral. Todavia não esqueceu o seu irmão António ao qual dedicou, expressamente, o mais significativos dos seus poemas - Histoire du Portugal par Coeur - quando ele, militar, se encontrava no Mosteiro da Batalha, em 1920».
Educado, como durante algum tempo seu irmão, no Colégio de Campolide, da Companhia de Jesus, dali não saía, nem de férias. Dizem que a reclusão o ensinou a desenhar. «Pintar é falar consigo mesmo para que alguém nos entenda: monólogo do pintor», escreveria.
Um ponto final: escrita em 1975, em pleno fulgor revolucionário, a obra hoje lida tem disso pegadas. Assim, a propósito de um longo poema que o pai Almada escreveu - prudentemente sob o pseudónimo de João Alegre - intitulado Senhor, Pão!, em que, a pretexto do centenário da Índia, fazia um diatribe contra a política colonial e sobretudo contra os que das colónias se aproveitavam, o autor intitula o capítulo respectivo como «Do administrador colonialista ao democrata antifascista». Ora "fascismo" em 1897 é obra!
Mas, enfim, já no preâmbulo ao livro consta [página 14] que «Almada [agora o filho] recusou-se sempre a alinhar com o fascismo e o colonialismo».
África, isso é interessante, é, aliás, uma ausência na sua obra. O livro tenta mostrar o contrário. A dialética talvez ajude.