sábado, 30 de julho de 2005
O homem impossível
E depois nem o autocarro chegava, nem ninguém ali aparecia para o apanhar. E, no entanto, o homem, transeunte ocasional daquele instante, ria-se para dentro do jantar de onde viera, como se de um compromisso ingrato já cumprido. A noite estava fria e com ela a lembrança do casaco que a sua teimosia lhe fizera não trazer. Um homem sem casaco numa noite gelada numa solitária paragem de um autocarro que não vinha. Um livro, um jornal, algo que fizesse de momento companhia ou fosse ao menos um entretém, porque às noites os autocarros que não passam nas paragens onde ninguém os espera nunca se sabe a que horas do acaso poderão sequer surgir. Sentando-se e levantando-se e passeando-se inconstante para aquecer o homem esfriado do casaco que não trouxera para o jantar que não lhe apetecia deu de repente conta de si. Era noite alta, e naquele bairro sombrio de luzes minguadas e recantos duvidosos não haveria outro transporte do que a pé, outro destino se não esperar. Foi ali que o encontraram no dia seguinte, adormecido num canto, vomitado o jantar e envergonhado de si.