sexta-feira, 19 de dezembro de 2008
Os braços do mar
Há na zona oriental de Lisboa lugares soturnos, onde volteiam fantasmas do que foram casas, sombras do que foram famílias, fogos-fátuos do que foram vidas. Em alguns entra-se por arcos ogivais e são vilas engalanadas de pobreza, de outros sai-se por canadas estreitas com urina nas narinas e um lamento esboroado nos sentimentos. Ficam aí armazéns de comércios que já fecharam, tipografias de repartições que não imprimem. Aqui e além um asilo de filhos da desgraça, pensões dos que ainda não sairam dela. Às vezes são os focos de um teatrinho a iluminar esperanças, os néons de uma cervejaria a anunciar tremoços.
Ao lado, numa marginal de prata que a lua mal ilumina, o rio corre indiferente, sempre jovem na sua renovação aquática, desperdiçando-se nos braços do mar.