quarta-feira, 4 de agosto de 2010
Vagão J
Porque saiu agora um romance inédito do Vergílio Ferreira, encontrado completo no espólio do autor, chamado A Promessa, escrito em 1947, ou seja antes do Mudança [1949] que como o título o diz marcaria a viragem da escrita do autor para a problemática existencialista, abandonando - rompendo será excessivo dizê-lo reportando-nos a tal momento - com a caminhada na estrada do neo-realismo, achei que para tudo fazer sentido na minha cabeça e não aumentar a desordem que resulta do ler dispersamente como tanta vez sucede, deveria começar pelo princípio. First the first eis-me com o Vagão J entre mãos.
Vagão J, como se sabe é, na nomenclatura ferroviária, o das mercadorias, o da tralha, o do gado, as mercadorias avulsas.
Começou a escrevê-lo em Faro em Maio de 1943, terminou-o em Setembro do ano seguinte. O texto é curto, revoltoso.
Leio nos intervalos. Para já vou ainda na caracterização do «homem da jorna», espécie braçal calcinada a dura vida e talhado à podoa das privações. E sobretudo retinto de ódio. «Toda a gente possuía qualquer coisa para afirmar a sua existência: o homem da jorna tinha apenas o seu ódio». «Porque os homens da jorna sofriam como cães ao verem que trouxera de Lisboa um ar de rufia, um paleio de malandrim. Cavasse como os outros a terra negra, andasse ensebado, fosse como os da sua igualha». Estava perdido o Bogas, à mercê de nas tripas se lhe ferrar a naifa, vingança surda sobre o gingão citadino de mão macia e fala eloquente para quem a fome é apetite e a romaria coito de coitos de fácil sedução.