domingo, 13 de julho de 2014

A meteorologia da inteligência


Esta ideia de que no Verão, porque tempo de moleza, quais lagartos ao Sol, já que temos o corpo assado ficamos com os miolos fritos, há que ler tudo quanto é ligeiro, superficial, imbecil mesmo, se não fosse teoria geral para idiotas é, de facto, o campo de eleição para o marketing da chamada "indústria livreira" e seu esgotamento de stocks e a tradução literária do conceito da política, o da silly season, em que o Homem e as moscas se confundem, zumbindo em torno da realidade excrementária da monotonia agora tornada descanso esgotante e território de coisa nenhuma.
Esta ideia de que só a friagem gera a inteligência, inaugurada pela "rentrée" literária e suas novidades fulgurantes, é a projecção racial da noção de que os povos do Norte, são por decorrência climatérica, mais inteligentes porque mais frios já que menos emotivos, a expressão livresca da cultura dos pés frios e seu aborrecimento sistematizado, o totalitarismo da Razão.
Esta ideia de que todos temos de ler o "incontornável", as "escolhas de - " e os "livros de Verão", é uma pandemia que contagia do mais insignificante, ainda que insolente, "suplemento" cultural, o que abre espaço para livros à medida da publicidade paga que aufere, até ao mais snob expoente "for the very  few" que não escapa ao contágio.
Depois há os exibicionistas puros, de cultura enciclopédica em tema e opinião, os que de tudo sabem e tudo lêem, antes de todos os outros e diante de todos os demais, a montra da vaidade do saber exposto, os que já leram o que ninguém sequer sabe que existe e ei-los que, perguntados pela submissa imprensa, sequiosa de uma intimidade que deles mostre o pergaminho e o brazão, nos dizem levar para reler todo o Dostoievski, que já tinham lido aos quinze anos, e a Guerra e Paz e suas mais de quinhentas personagens que vão também veranear entre as termas para o flato e quinta solarenga para a sesta carregados, com metros cúbicos de empanturrante livraria.
Enfim, mundo de registos, ciclos e modas amestradas. Mundo de querer também ser ou ao menos parecer. Mundo em que a individualidade se tornou ontem.

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fonte da omagem: aqui