domingo, 10 de agosto de 2014
É preciso imaginar Sísifo feliz
Sábado, regressados, o Pedro sugeriu um passeio a Cascais. A Gelataria Santini estava a abarrotar, uma serpente gigantesca à porta, aguardando, conformada, a vez de cada um.
Deu-se, então, na ténue esperança de uma oportunidade, uma volta, em errante veraneio que nos levaria à Livraria Galileu [ver aqui].
Vagueando ao acaso, ali, numa prateleira inferior, ei-la a primeira edição de um livro que agora se popularizou, porque numa nova edição.
São notas sobre cada um de alguns livros essenciais da escrita de Albert Camus, reflexivas sem erudição, sentidas. O seu autor tinha então 39 anos: Marcello de Zaffiri Duarte Mathias, «diplomado de carreira», escritor. O livro saira no Brasil em 1975, três anos depois com a chancela da Bertrand.Vou lê-lo com a premência do que estive quase a perder por aquele horrível modo de ser que é o de fazer má cara a algumas capas de livros, como se pouco prometedoras e não conseguir ultrapassar esse limite.
Nessa noite de inesperados encontros, ali mesmo, aguardavam-me ainda os dois tomos da obra da obra do autor de O Estrangeiro, na magnífica edição da La Pléiade [ver aqui].
Tenho, ao que julgo, quanto escreveu, em volumes soltos, comprara outro dia aquela edição revista que a Quarto da Gallimard editara [ver aqui]. Mas não resisti: talvez o papel Bíblia e a sensação macia de o sentir na polpa dos dedos, o odor da pele da encadernação, a caixa sóbria e alva com que cada tomo vem protegido. Talvez, sobretudo, por serem obras de Albert Camus.
Saído da livraria, no calor manso da noite o mundo pareceu mais doce. Um halo argelino invadiu-me, salino, de uma angústia feita de todas as alegrias e dores de um Sísifo feliz