sexta-feira, 31 de outubro de 2014

O Tempo e o Modo: pensamento e acção


Não há pior do que não termos uma família espiritual a que chamemos nossa e, no entanto, em tantas encontrarmos o morno aconchego da pertença. Ninguém ante todos eles, fica a sensação do vazio, o desenraizamento e, itinerante, a perpétua e esgotante viagem e sobretudo o desejo.
Senti isso hoje ao chegar, findava a manhã, vindo da minha amiga Teresa, namorada de livros e por eles apaixonada, com uma mão cheia de tanta coisa que é uma dor de alma imaginar que por estarem agora aqui deixam de lhes pertencer, ela que os encontrou amorosamente.
E trouxe dois números o 12º e o 23º da revista O Tempo e o Modo. E vieram as recordações. E por isso vim aqui falar.
E como eu sei onde era a Livraria Moraes, seu projecto livreiro e editor e sua ruína, ali ontem estive, o Centro Nacional de Cultura no piso superior, criatura dos mesmos criadores. E como a revista me atraía, como se ali estivesse parte de mim e eu a ela me negava então, por tilintarem no princípio menos tostões no bolso do que o seu preço e depois porque havia ali um grupo unido por uma ideia. E aí, aquele meu eu solitário, retrai-se sem porquê. E porque crentes a um Deus que me abandonara.
Hoje compreendo tudo o que fiz por desconsiderar. 
E olho com carinhosa ironia para o que vivi e agora reencontro e fico raivoso comigo diante do que poderia ter vivido.
«O Tempo e o Modo pretendeu ser essa mesa onde as pessoas se conheceram e à volta da qual alguns se quiseram sentar», escreveu Alçada Baptista, seu director, no número que assinalava um ano de existência para, com finura de trato - essa elegância que se perdeu - acrescentar na edição que inaugurava o terceiro ano de vida: «(...) o Tempo e o Modo é uma mesa redonda para onde se convidam pessoas que soubessem estar à mesa».
Com ele chegou o personalismo cristão, Emanuel Mounier, Jean-Marie Domenach, um catolicismo que a Igreja oficial secundarizava e a esquerda laica desprezava, uma revista para crentes e não crentes, «de pensamento e acção», um espaço de diálogo numa sociedade fechada, monologante. 
Ela foi, como ali assinalou Luís Lindley Cintra, a confirmação de que é possível vencer a tendência quase inevitável para a «inquietação inactiva».
Fechou, esgotada, o título retomado pelo MRPP, como órgão de propaganda ideológica sua.
Dos números esparsos que por aí restam, amarelecidos, tenho comigo estes. Em tempos foi editado um grosso tomo de homenagem à sua existência. Tenho-o comigo, e saudades neste momento de o ler. Assim possa.
Eis, porque, por trazê-la, a revista da minha juventude, jorrou vida, transformada a inquietação inactiva na intranquilidade fazedora.
Amanhã o dia amanhecerá radioso e claro.