sábado, 4 de outubro de 2014

A vida quando eu já não for...


Falara no Real Gabinete de Leitura, no Rio de Janeiro, sobre a sua obra, de que a editora Aguilar havia publicado em 1974 os seis volumes do que considerou ser a Crónica da Vida Lisboeta.
Encontrei hoje o livrinho, editado pela Guimarães com respectivo texto e o da Introdução que o Professor Soares Amora escrevera para a prestigiada colectânea brasileira que até ali apenas publicara obras de Luís de Camões, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz, Fernando Pessoa e Ferreira de Castro.
Cada um dos tomos desse sexteto é, de facto, uma crónica, não no sentido do apontamento instantâneo, mas um romance, com a intrincada narrativa e a soma de personagens - 223 no total, segundo o inventário efectuado por Maria Dulce Quintão - situado naquilo que foi a problemática histórica do tempo, um tempo que se situa entre 1936 e 1956. 
Confessou, na palestra que assim divulgou, que o arranque para a sua escrita surgiu em reacção ao Maria Benigna de Aquilino Ribeiro - a quem não poupa admiração, mau grado quanto os separava no plano da filosofia de vida - por sentir neste uma inautenticidade, o «falso como pintura da sociedade lisboeta», fora do mundo rural em que o autor do Malhadinhas lançara os alicerces do seu universo de escritor.
E, talvez porque irremediavelmente senhor de si, organizou o seu discurso ante o lustre auditório, lembrando, como se únicos antecessores tivessem sido no género romance, Alexandre Herculano, Camilo Castelo Branco, Eça de Queiroz e Aquilino Ribeiro.
Acabo de o ler, breve que é, escrito naquela linguagem simples que lhe caracteriza o estilo. Com isso a escrita ganhou coerência, situada como projecto de uma vida, como vida de um País.
Trouxe-o esta manhã do Alfarrabista Martinho, onde o encontrei, na montra, como se à minha espera ali estivesse, regressava eu de uma infrutífera escalada à Feira da Ladra. 
Com cuidada caligrafia, o autor dedicara aquela cópia «a Nuno Rocha, com alto apreço, tributo muito afectuoso do seu camarada Joaquim Paço d'Arcos». Resgatei-o ao comprá-lo, talvez. E que lhe sucederá quando eu já for?